Sejam bem Vindos






"O conhecimento é função do intelecto, ao passo que a sabedoria é função do ser"































































































































































































segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Bem de família luxuoso não pode ser penhorado

A regra de que nenhum bem de família, independente do valor, pode ser penhorado foi confirmada pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em decisão recente. Embora, o novo Código Civil considere exceções, a decisão do tribunal levou em conta a garantia constitucional do direito à moradia e o respeito à instituição família.

No Recurso Especial, o relator do caso, ministro Massami Uyeda, entendeu que é irrelevante para efeitos de impenhorabilidade que o imóvel seja considerado luxuoso ou de alto padrão. No caso, os autores assinaram um contrato de arrendamento agrícola para plantar e cultivar café. Mas a área não era própria para o cultivo, então, deixaram de pagar as parcelas do arrendamento. Sem o pagamento, houve o pedido de penhora de imóveis, considerados bem de família.

Para o ministro, não convence o argumento de que a intenção do legislador, ao editar a Lei 8.009/90, não seria a de proteger o luxo e a suntuosidade. "Basta que o imóvel sirva de residência da família, sendo irrelevante o valor do bem", disse. O Projeto de Lei 51/06 foi proposto para estabelecer um valor ao que seria bem de família, mas foi rejeitado, sob o argumento de quebrar o dogma da impenhorabilidade absoluta do bem de família.

Massami Uyeda diz que a lei é explícita "o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável, não particularizando sua classe, se luxuoso ou não, ou mesmo o seu valor". O ministro deixou claro que parte do bem também não pode ser penhorada. "Não se olvida da orientação desta Corte Superior no sentido de que é possível a penhora de parte ideal do imóvel", confirma.

O relator afirmou que a impenhorabilidade do bem de família é uma garantia constitucional que não deve ser deixada de lado. "Sem dúvida que essa circunstância é moldada pelos princípios basilares dos direitos humanos, dentre eles, o da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do nosso Estado Democrático, nos termos do 1º, inciso III, da Constituição da República", completa.

Alcance do texto
A interpretação do juiz da 25ª Vara Cível de São Paulo é contrária à do ministro do STJ. Para ele, apesar de a lei não permitir a penhora de bem de família, "a norma jurídica, entretanto, não pode ser interpretada de forma absolutamente formal e literal". Ele explica que o julgador, no momento da decisão, precisa levar em conta "determinados fatos sociais, em vista à realização de certos valores".

"A busca pelo 'fim' da norma é fruto de uma obrigatória interpretação teleológica e sistemática, pois o conjunto de leis — evidentemente em sentido amplo — que integra a ordem jurídica deve ser entendido como composto por disposições reciprocamente coerentes, já que a lei não pode, ao mesmo tempo, ser considerada lícita e contrariar princípios gerais de direito."

O juiz entende que o bem social é o objetivo maior da lei. "A menção aos fins sociais e ao bem comum, como assinala Tércio, pressupõe uma unidade de objetivos do comportamento social do homem; postula-se que a ordem jurídica, como um todo, seja sempre um conjunto de preceitos para a realização da sociabilidade humana. O juiz deve buscar o verdadeiro sentido e alcance do texto legal", finaliza.

Imóvel de luxo x sustento da família
A advogada Tatiane Cardoso Gonini Paço concorda com a interpretação dada pelo juiz ao caso. Para ela, é preciso uma ponderação por parte dos julgadores para conciliar interesses conflitantes. "O que é mais importante: um devedor morando em um imóvel de luxo ou um trabalhador receber verbas importantes para o sustento básico de sua família?", questiona. Ela diz que a Justiça, em casos específicos, como o do banqueiro Edemar Cid Ferreira, poderia penhorar e vender o imóvel, e ainda garantir ao devedor o valor de outro imóvel para ele morar.

O banqueiro, que controlava o Banco Santos, morava em uma mansão no nobre bairro do Morumbi em São Paulo e foi despejado na semana passada. Ferreira provou no STJ que sua casa era um bem de família, e o tribunal o manteve na residência, que custou cerca de R$ 140 milhões. Após a quebra do banco, em novembro de 2004, Edemar foi condenado por crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. O rombo, segundo o Banco Central, era de R$ 2,5 bilhões.

A advogada recorda que houve uma iniciativa de um Projeto de Lei 51/06, vetado pelo ex-presidente Lula, que permitia a penhora de bens de luxo. Segundo o projeto, bens com valor acima de R$ 540 mil poderiam ser penhorados, ainda que fossem de família. E pelo novo Código Civil, a penhora não pode ultrapassar um terço do patrimônio da família. "Mas só pode ser considerado bem de família se a especificação constar na escritura do imóvel", ressalva.

Tatiane Paço diz que é comum as pessoas que sofrem um processo tentarem fazer a escritura do imóvel após a execução, mas isso não é possível. Ela alerta que com a aprovação do novo Código Civil, se tornou obrigatório o documento. "Nos novos apartamentos, a garagem e o imóvel tem escrituras separadas. É comum, os réus terem sua garagem penhorada pela Justiça", destaca.

Recurso Especial 1.178.469

Leia a decisão:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.178.469 - SP (2010⁄0021290-0)

EMENTA
RECURSO ESPECIAL - DIREITO CIVIL - QUESTÃO PRELIMINAR - JULGAMENTO PROFERIDO POR CÂMARA COMPOSTA MAJORITARIAMENTE POR JUÍZES CONVOCADOS - POSSIBILIDADE, DESDE QUE OBSERVADOS PARÂMETROS LEGAIS - PRECEDENTES - EXISTÊNCIA DE VÍCIO REDIBITÓRIO E O PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO DA FORMA MENOS ONEROSA AO DEVEDOR - PREQUESTIONAMENTO - AUSÊNCIA - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211⁄STJ - PENHORA - PARTE IDEAL DE IMÓVEL - POSSIBILIDADE - PRECEDENTES - BEM DE FAMÍLIA - AVALIAÇÃO - JUÍZO DINÂMICO - BEM IMÓVEL DE ELEVADO VALOR - IRRELEVÂNCIA, PARA EFEITOS DE IMPENHORABILIDADE - ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL - DEMONSTRAÇÃO - INEXISTÊNCIA - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - MULTA - IMPOSSIBILIDADE - INTUITO PROCRASTINATÓRIO - AUSÊNCIA - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 98⁄STJ - RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.

I - A jurisprudência desta Corte Superior já teve oportunidade de indicar que é possível o julgamento por Turmas ou Câmaras constituídas, em sua maioria, por juízes convocados, desde que a convocação se dê dentro dos parâmetros legais e que observadas as disposições estabelecidas pela Constituição Federal.

II - As questões concernentes à existência de vício redibitório, bem como quanto ao prosseguimento da execução da forma menos gravosa ao devedor, não foram objeto de debate ou deliberação no acórdão recorrido, não obstante a oposição de embargos declaratórios, o que atrai a incidência da Súmula 211⁄STJ.

III - É possível a penhora de parte do imóvel, caracterizado como bem de família, quando for possível o desmembramento sem sua descaracterização. Precedentes.

IV - A avaliação da natureza do bem de família, amparado pela Lei n° 8.009⁄90, por ser questão de ordem pública e não se sujeitar à preclusão, comporta juízo dinâmico. E essa circunstância é moldada pelos princípios basilares dos direitos humanos, dentre eles, o da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do nosso Estado Democrático, nos termos do 1º, inciso III, da Constituição da República.

V - Para que seja reconhecida a impenhorabilidade do bem de família, de acordo com o artigo 1º, da Lei n° 8.009⁄90, basta que o imóvel sirva de residência para a família do devedor, sendo irrelevante o valor do bem.

VI - O art. 3º da Lei nº 8.009⁄90, que trata das exceções à regra da impenhorabilidade, não faz traz nenhuma indicação concernente ao valor do imóvel. Portanto, é irrelevante, para efeitos de impenhorabilidade, que o imóvel seja considerado luxuoso ou de alto padrão. Precedente da eg. Quarta Turma.

VII - Acerca do índice de correção monetária, impõe-se reconhecer que, não se admite recurso especial pela alínea "c" quando ausente a demonstração, pelo recorrente, das circunstâncias que identifiquem os casos confrontados.

VIII - Os embargos de declaração foram opostos com o intuito de prequestionamento, vedando-se, por lógica, a imposição de multa procrastinatória, nos termos do que dispõe o enunciado da Súmula 98⁄STJ.

IX - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, a Turma, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e nesta parte dar provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ⁄RS) e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedido o Sr. Ministro Sidnei Beneti.

Brasília, 18 de novembro de 2010(data do julgamento)
MINISTRO MASSAMI UYEDA
Relator

RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por XXXXXXX e OUTROS fundamentado no art. 105, III, alíneas "a" e "c", do permissivo constitucional, em que se alega violação dos artigos 107 e 108 da Lei Complementar 35/79; 1º e 3º da Lei 8.009⁄90; 1.062, 1.092, 1.101, 1.105 e 1.262 do Código Civil de 1.916; 538, parágrafo único, 620 e 702, do Código de Processo Civil, bem como dissídio jurisprudencial.

Os elementos existentes nos autos noticiam que, na origem, XXXXXXXX e OUTROS, em 12 de abril de 1999, celebraram contrato de arrendamento agrícola, cujo objetivo era o de plantar e cultivar café em áreas rurais objeto de arrendamento. Contudo, é dos autos que, sob fundamento de que as áreas nãoseriam apropriadas para cultivo de café, os recorrentes suscitaram a existência de vício redibitório, nos termos do art. 1.105 do Código Civil de 1.916 e deixaram, ato contínuo, de efetuar o pagamento das parcelas do arrendamento.

Em face do inadimplemento das parcelas do arrendamento, a ora recorrida, XXXXXX., propôs execução de título extrajudicial em face dos ora recorrentes, XXXX e OUTROS, momento em que obteve, judicialmente, a penhora de imóveis situados na Cidade de São Paulo, o primeiro de propriedade de XXXX, localizado na rua XXXX e o segundo, de propriedade XXXXXXXX, situado Rua XXXX.

Irresignados, XXXX e OUTROS,apresentaram embargos à execução ao fundamento de que tais imóveis constituem bens de família, nos termos do que dispõe a Lei 8.009⁄90, pugnando, consequentemente, pela nulidade das constrições e a sua desconstituição, bem como pelo excesso de execução.

O r. Juízo da 25ª Vara Cível da Comarca da Capital/SP, ao examinar a controvérsia, entendeu por bem julgar parcialmente procedente os embargos à execução. Dentre outros fundamentos, em relação ao afastamento da penhora dos imóveis, apontou que: "(...) a garantia de moradia digna não se confunde com a manutenção de residência luxuosa, em detrimento dos credores, pois, se assim fosse, bastaria ao devedor detentor de vastas riquezas, para 'escapar' de seus débitos, concentrar todo o seu patrimônio em uma única residência, ainda que nababesca ou palaciana, a qual estaria garantida pela regra da impenhorabilidade." (fl. 104) Contudo, excluiu da penhora a parte ideal do primeiro imóvel de propriedade de XXXXXX, a 1/5 (um quinto) de sua totalidade que é de 795 m2 (setecentos e noventa e cinco metros quadrados) e, quanto ao segundo imóvel, de propriedade de XXXXXXXX, em 1/10 (um décimo) de sua extensão que é de 319 m2 (trezentos e dezenove metros quadrados). Ao final, afastou a cobrança cumulada de multa moratória no importe de 2% (dois por cento) (fl. 113).

Inconformados, ambas as partes interpuseram recurso de apelação, oportunidade em que o eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por unanimidade, negou provimento a ambos os recursos. A ementa está assim redigida:

"PENHORA. Incidência sobre parte ideal de coisa indivisível. Admissibilidade. Recurso desprovido.

PENHORA. Incidência sobre bens de família. Coisas suntuosas e de grandes dimensões, porém. Proteção legal que não pode favorecer o devedor que, mantendo residência suntuosa, causa prejuízo aos credores. Suficiência da redução das penhoras a partes ideais para que, após a conversão em dinheiro, os devedores possam adquirir moradias dignas. Recurso desprovido.

EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Contrato de arrendamento com opção de compra. Cerceamento de defesa inexistente. Pretensões à obtenção de abatimento e à rejeição da coisa já acobertadas pela decadência. Índice de correção monetária que foi pactuado e deve prevalecer. Multa moratória com incidência cumulativa e sucessiva, o que afronta a natureza de tal encargo. Incidência única corretamente determinada. Embargos procedentes em parte. Recursos desprovidos."

Os embargos de declaração opostos às fls. 243⁄245, foram rejeitados às fls. 249⁄253, com imposição de multa protelatória.

Nas razões do especial, os recorrentes, XXXXX e OUTROS, sustentam, em resumo, preliminarmente, nulidade do julgamento em razão da participação, em sua maioria, de Juízes Convocados. Aduzem, também, a nulidade da penhora dos imóveis, por constituírem bens de família, reputados impenhoráveis, nos termos do art. 1º, da Lei 8.009/90.Sustentam, ainda, que a lei não estabelece qualquer ressalva quanto a inviabilidade de penhora, em se tratando de imóvel de alto valor. Asseveram, também, que as propriedades arrendadas não são apropriadas para a cafeicultura, o que justifica, na sua compreensão, o inadimplemento parcial dos valores devidos, conforme determinam os arts. 1.101 e 1.105 do Código Civil de 1.916. Dizem, igualmente, que o índice de correção monetária a ser aplicado é o INPC. Por fim, sustentam que os embargos de declaração opostos não possuem caráter procrastinatório.

Às fls. 435⁄437, foi proferido juízo negativo de admissibilidade. Por meio do Agravo de Instrumento nº 1.066.331⁄SP, esta Relatoria determinou a subida dos autos principais para melhor exame.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.178.469 - SP (2010⁄0021290-0)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL - DIREITO CIVIL - QUESTÃO PRELIMINAR - JULGAMENTO PROFERIDO POR CÂMARA COMPOSTA MAJORITARIAMENTE POR JUÍZES CONVOCADOS -POSSIBILIDADE, DESDE QUE OBSERVADOS PARÂMETROS LEGAIS - PRECEDENTES - EXISTÊNCIA DE VÍCIO REDIBITÓRIO E O PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO DA FORMA MENOS ONEROSA AO DEVEDOR - PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211⁄STJ - PENHORA - PARTE IDEAL DE IMÓVEL - POSSIBILIDADE - PRECEDENTES - BEM DE FAMÍLIA - AVALIAÇÃO - JUÍZO DINÂMICO - BEM IMÓVEL DE ELEVADO VALOR - IRRELEVÂNCIA, PARA EFEITOS DE IMPENHORABILIDADE - ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL - DEMONSTRAÇÃO - INEXISTÊNCIA - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - MULTA - IMPOSSIBILIDADE - INTUITO PROCRASTINATÓRIO – AUSÊNCIA - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 98/STJ - RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.

I - A jurisprudência desta Corte Superior já teve oportunidade de indicar que é possível o julgamento por Turmas ou Câmaras constituídas, em sua maioria, por juízes convocados, desde que a convocação se dê dentro dos parâmetros legais e que observadas as disposições estabelecidas pela Constituição Federal.

II - As questões concernentes à existência de vício redibitório, bem como quanto ao prosseguimento da execução da forma menos gravosa ao devedor, não foram objeto de debate ou deliberação no acórdão recorrido, não obstante a oposição de embargos declaratórios, o que atrai a incidência da Súmula 211⁄STJ.

III - É possível a penhora de parte do imóvel, caracterizado como bem de família, quando for possível o desmembramento sem sua descaracterização. Precedentes.

IV - A avaliação da natureza do bem de família, amparado pela Lei 8.009⁄90, por ser questão de ordem pública e não se sujeitar à preclusão, comporta juízo dinâmico. E essa circunstância é moldada pelos princípios basilares dos direitos humanos, dentre eles, o da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do nosso Estado Democrático, nos termos do 1º, inciso III, da Constituição da República.

V - Para que seja reconhecida a impenhorabilidade do bem de família, de acordo com o artigo 1º, da Lei n° 8.009⁄90, basta que o imóvel sirva de residência para a família do devedor, sendo irrelevante o valor do bem.

VI - O art. 3º da Lei nº 8.009⁄90, que trata das exceções à regra da impenhorabilidade, não faz traz nenhuma indicação concernente ao valor do imóvel. Portanto, é irrelevante, para efeitos deimpenhorabilidade, que o imóvel seja considerado luxuoso ou de alto padrão. Precedente da eg. Quarta Turma.

VII - Acerca do índice de correção monetária, impõe-se reconhecer que, não se admite recurso especial pela alínea "c" quando ausente a demonstração, pelo recorrente, das circunstâncias que identifiquem os casos confrontados.

VIII - Os embargos de declaração foram opostos com o intuito de prequestionamento, vedando-se, por lógica, a imposição de multa procrastinatória, nos termos do que dispõe o enunciado da Súmula 98⁄STJ.

IX - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido.

VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:

A irresignação merece prosperar, em parte.

Com efeito.

A controvérsia aqui agitada reside no exame da possibilidade de penhora de parte ideal de bem imóvel, considerado bem de família, com características, segundo o v. acórdão recorrido, de luxo e suntuosidade.

Preliminarmente, acerca da nulidade do v. acórdão recorrido tendo em vista a participação de Juízes Convocados em seu julgamento e a possível ofensa aos artigos 107 e 108 da Lei Complementar 35⁄79, registra-se que a jurisprudência desta Corte Superior já teve oportunidade de indicar que é possível o julgamento por Turmas ou Câmaras constituídas, em sua maioria, por juízes convocados, desde que a convocação se dê dentro dos parâmetros legais e que observadas as disposições estabelecidas pela Constituição Federal. Com essa orientação, cita-se, por todos, a seguinte ementa:

"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM EMBARGOS DO DEVEDOR. OMISSÃO ECONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INOCORRÊNCIA. JULGAMENTO PROFERIDO POR CÂMARA COMPOSTA MAJORITARIAMENTE POR JUÍZES CONVOCADOS. PRINCÍPIOS DO JUIZ NATURAL E DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. OFENSA AFASTADA. PRINCÍPIO DA ISONOMIA PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. OFENSA À COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA.

I- Os Embargos de Declaração são corretamente rejeitados se não há omissão, contradição ou obscuridade no acórdão embargado, tendo a lide sido dirimida com a devida e suficiente fundamentação; apenas não se adotando a tese do recorrente.

II- Não há nulidade no julgamento proferido por Turmas ou Câmaras estaduais constituídas, em sua maioria, por Juízes convocados se a convocação se deu dentro dos parâmetros legais e com observância das disposições estabelecidas pela Constituição Federal.

III- É inadmissível o Recurso Especial quanto à questão que não foi apreciada pelo Tribunal de origem.

IV- Não há ofensa à coisa julgada na hipótese em que o Acórdão confirma a decisão que homologou os cálculos apresentados, respeitando os critérios determinados pela sentença exequenda na qual foram fixados honorários em "15% sobre o valor expurgado em favor do advogado dos devedores-apelantes". Recurso Especial improvido."

REsp 1092089⁄SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 9⁄11⁄2009.

Além disso, assinala-se que as questões relativas aos artigos 1.101 e 1.105 do Código Civil de 1.916, quanto à existência de vício redibitório, bem como, os artigos 620 e 702 do Código de Processo Civil, quanto ao prosseguimento da execução da forma menos gravosa ao devedor, não foram objeto de debate ou deliberação pelo Tribunal de origem, restando ausente, assim, o requisito indispensável do prequestionamento da matéria, não obstante a oposição de embargos declaratórios, o que atrai a incidência do enunciado 211 da Súmula desta Corte, que preconiza: "Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal 'a quo'.

Acerca do meritum causae registra-se que não se olvida da orientação desta Corte Superior no sentido de que é possível a penhora de parte ideal do imóvel, caracterizado como bem de família, quando for possível o desmembramento sem sua descaracterização. Com essa orientação: REsp 326.171⁄GO, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 22⁄10⁄2001; REsp 139.010⁄SP, Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 21⁄2⁄2002, este último assim ementado:

"EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA. LEI N. 8.009⁄90. BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL RESIDENCIAL. QUATRO IMÓVEIS CONTÍGUOS. MATRÍCULAS DIFERENTES. POSSIBILIDADE DODESMEMBRAMENTO.

Pelas peculiaridades da espécie, preservada a parte principal da residência em terreno com área superior a 2.200 m2, com piscina, churrasqueira, gramados, não viola a Lei 8.009⁄90 a decisão que permite a divisão da propriedade e a penhora sobre as áreas sobejantes.

Recurso especial não conhecido."

Todavia, acredita-se que, quanto aos fundamentos adotados pelo v. acórdão recorrido para manter a penhora, ainda que de parte ideal, em razão das características de luxo e suntuosidade dos bens imóveis, merece outro enfoque, data venia.

Na verdade, é certo que a avaliação da natureza do bem de família, amparado pela Lei n° 8.009⁄90, por ser questão de ordem pública (ut REsp 467.246⁄RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 12.8.2003) e, ipso facto, não se sujeitar à preclusão (ut REsp 1.114.719⁄SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 29⁄6⁄2009), comporta juízo dinâmico. Sem dúvida que essa circunstância é moldada pelos princípios basilares dos direitos humanos, dentre eles, o da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do nosso Estado Democrático, nos termos do 1º, inciso III, da Constituição da República.

Tendo isso em conta, não convence, data venia, o argumento de que a intenção do legislador, ao editar a Lei nº 8.009⁄90, não seria a de proteger o "luxo e suntuosidade" (fls. 236). Isso porque, para que seja reconhecida a impenhorabilidade do bem de família, de acordo com o artigo 1º, da Lei n° 8.009⁄90, basta que o imóvel sirva de residência para a família do devedor, sendo irrelevante o valor do bem.

Ressalta-se, por oportuno, que a tese referente ao valor do bem, para fins de se definir acerca da impenhorabilidade ou não, chegou a ser proposta pelo projeto de Lei n° 51, de 2006 (n° 4.497⁄04 na Câmara dos Deputados), o qual pretendia inserir um parágrafo único ao artigo 650, do Código de Processo Civil, para possibilitar a penhora de "imóvel considerado bem de família, se de valor superior a 1000 (mil) salários mínimos, caso em que, apurado o valor em dinheiro, a quantia até aquele limite será entregue ao executado, sob cláusula de impenhorabilidade."

Contudo, tal hipótese foi vetada sob o argumento de que o Projeto de Lei quebrou o dogma da impenhorabilidade absoluta do bem de família, enfraquecendo a tradição surgida com a Lei no 8.009, de 1990, no sentido da impenhorabilidade do bem de família independentemente do valor.

Nessa ordem de ideias, para efeitos da lei, dispõe expressamente o art. 1º que "o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável..."não particularizando sua classe, se luxuoso ou não, ou mesmo o seu valor. De fato, há exceção, no que se refere aos "adornos suntuosos" (art. 2°), cujo tema, entretanto, não está em debate, uma vez que a constrição recaiu apenas sobre bens imóveis.

De mais a mais, bem de ver que o art. 3º da Lei nº 8.009⁄90, que trata das exceções à regra da impenhorabilidade, não faz traz nenhuma indicação concernente ao valor do imóvel ou em relação às suas características, quer dizer, se luxuoso ou não. Portanto, é certo que a referida Lei tem claro intuito protetivo à moradia, que foi elevada à categoria de direito social com a entrada em vigor da Emenda Constitucional n° 26⁄2000, que alterou o disposto no art. 6º da Constituição Federal, in verbis: "Art. 6.º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência ao desamparados, na forma desta Constituição."(grifo).

Dessa forma, acredita-se que é inadmissível ampliar o rol daquelas exceções previstas na Lei 8.009⁄90, em claro detrimento da proteção da moradia da família, garantida, inclusive, constitucionalmente. Portanto, é irrelevante, para efeitos de impenhorabilidade, que o imóvel seja considerado luxuoso ou de alto padrão. Nesse sentido, é importante o registro da seguinte ementa, em caso semelhante, recentemente julgado, proferido pela eg. Quarta Turma:

"PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA. ATO. GOVERNO LOCAL. AUSÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL.IMPENHORABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. PRECEDENTES.

(...)

3. O bem de família, tal como estabelecido em nosso sistema pela Lei 8.009⁄90, surgiu em razão da necessidade de aumento da proteção legal aos devedores, em momento de grande atribulação econômica decorrente do malogro de sucessivos planos governamentais. A norma é de ordem pública, de cunho eminentemente social, e tem por escopo resguardar o direito à residência ao devedor e a sua família, assegurando-lhes condições dignas de moradia, indispensáveis à manutenção e à sobrevivência da célula familiar.

4. Ainda que valioso o imóvel, esse fato não retira sua condição de serviente a habitação da família, pois o sistema legal repele a inserção de limites à impenhorabilidade de imóvel residencial.

5. Recurso conhecido em parte e, na extensão, provido."

REsp 715259⁄SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 09⁄09⁄2010.

Acerca da correção monetária, verifica-se que os recorrentes, ao deduzirem suas razões, descumpriram os artigos 541, do CPC e 255 do RISTJ, uma vez que não demonstraram, como deveriam, o alegado dissídio jurisprudencial acerca do índice de correção monetária, limitando-se em mencionar (fls. 293⁄294), como paradigmas, precedentes atinentes à vedação de aplicação da TBF (Taxa Básica Financeira) enquanto que, na hipótese dos autos, cuidou-se, especificamente, da incidência do CDI (Certificado de Depósito Interbancário). Impõe-se considerar, portanto, que o conhecimento do presente recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial não se revela possível (ut AgRg no REsp 843115⁄TO, Relator Ministro Luiz Fux, DJe 02⁄10⁄2008; AgRg nos EREsp 721854⁄SP, Relator Ministro José Delgado, Corte Especial, DJ 17⁄04⁄2006).

Por fim, em relação à incidência da multa estabelecida pelo Tribunal a quo, com fundamento no art. 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil, argumentam os ora recorrentes, XXXXXX e OUTROS, que o aresto teria deixado de considerar o propósito de prequestionamento dos embargos de declaração.

No ponto, tem razão os recorrentes pois, embora tenham sido rejeitados, os embargos de declaração foram opostos com a finalidade de prequestionamento explícito dos dispositivos legais, merecendo prosperar, portanto, com respaldo no enunciado n.º 98 da Súmula desta Corte, in verbis: "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têmcaráter protelatório".

Assim sendo, conhece-se parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, dá-se-lhe parcial provimento para desconstituir a penhora sobre os imóveis residenciais dos recorrentes e afastar a multa imposta pelo Tribunal de origem no julgamento dos embargos de declaração, invertendo-se, por conseguinte, os ônus sucumbenciais atribuídos pelas instâncias ordinárias.

É o voto.
MINISTRO MASSAMI UYEDA
Relator

Por Mariana Ghirello

domingo, 30 de janeiro de 2011

Diferença entre namoro e união estável

http://jus.uol.com.br/revista/texto/18383
Publicado em 01/2011 Alex Ravache
Como saber se a relação configura um namoro ou uma união estável? É possível formalizar um documento para constituir um ou outro? Quais os direitos dos companheiros?
1. Introdução

A diferença entre o namoro e a união estável é dúvida relevante de muitas pessoas, incluindo não só os leigos nas ciências jurídicas, mas também os estudantes de direito. Poderíamos classificar a diferença dos institutos em duas partes.

A primeira parte se refere à constituição do próprio instituto. Em outras palavras, como saber se a relação configura um namoro ou uma união estável? É possível formalizar um documento para constituir um ou outro?

A segunda parte reside nas diferentes conseqüências de um e de outro. Ou seja, quais os direitos dos companheiros na união estável? E dos namorados?

O presente artigo tem por objetivo sanar as supracitadas dúvidas, com base na lei, na doutrina e nas decisões mais relevantes dos tribunais a respeito do tema.

2. A constituição do namoro e da união estável

Como saber se a relação configura um namoro ou uma união estável?

2.1 A formação do namoro

O namoro não é conceituado pela lei. Se a lei não o regula, não há requisitos a serem observados para sua formação, a não ser os requisitos morais, impostos pela própria sociedade e pelos costumes locais.

Assim, em regra, os costumes e a moral nos trazem a ideia de que para uma relação ser considerada um namoro, deve estar presente a fidelidade recíproca, a constância da relação e o conhecimento do relacionamento por parte da família e dos amigos do casal. Nada impede, no entanto, que alguns relacionamentos quebrem essas regras morais. Há namoros em que não há fidelidade, inclusive com a concordância mútua dos namorados nesse sentido. É o chamado "relacionamento aberto". Esse fato, por si só, não desconfigura a existência da relação, que na prática existe, e pode ser chamada de namoro ou um mero "caso". Da mesma forma, um namoro pode ser uma relação eventual, ou uma relação da qual nenhuma pessoa tenha conhecimento, além do próprio casal.

Em suma, não há normas legais expressamente previstas para a configuração do namoro. Para sua formação, basta que duas pessoas iniciem um relacionamento amoroso, o que abrange desde encontros casuais, até relacionamentos mais sérios, em que há publicidade, fidelidade e uma possível intenção de casamento ou constituição de união estável no futuro.

No entanto, a confusão que pode surgir entre o namoro e a união estável ocorre nas relações nas quais há observância das regras morais impostas pela sociedade. São aqueles relacionamentos duradouros, com convivência contínua do casal, em que há fidelidade mútua, pelo menos aparente, no qual ambos se apresentam na sociedade como namorados, frequentando festas, jantares e eventos entre os amigos e as famílias de cada um.

Por isso, para facilitar o entendimento, a doutrina divide o namoro em simples e qualificado. O namoro simples é facilmente diferenciado da união estável, pois não possui pelo menos algum de seus requisitos básicos. É, por exemplo, o namoro às escondidas, o namoro casual, o relacionamento aberto.

Contudo, o namoro pode ser qualificado pela maioria dos requisitos também presentes na união estável. Por esse motivo é tão difícil, na prática, encontrar as diferenças entre a união estável e esse tipo de namoro mais sério. O namoro qualificado será melhor definido ao se estudar os requisitos básicos da união estável.

2.2 A formação da união estável

Já a união estável se forma quando presentes os requisitos previstos em lei, especificamente os do artigo 1.723 do Código Civil. Preceitua o referido artigo que a união estável é relação não eventual, pública e duradoura, entre e homem e mulher, com o objetivo de constituir família. O parágrafo 1º do referido artigo complementa que a união estável não será constituída se estiver presente qualquer dos impedimentos matrimoniais, previstos no artigo 1.521 do Código Civil, com exceção das pessoas casadas, desde que separadas de fato ou judicialmente.

Dessa forma, para a formação da união estável todos esses requisitos devem estar presentes na relação. Por motivos meramente didáticos, com o intuito de atingir os objetivos propostos por este artigo, passaremos a dividi-los em requisito controvertido, requisitos objetivos e requisito subjetivo.

O requisito controvertido para a formação da união estável é a diversidade de sexos. Os requisitos objetivos são a continuidade, a publicidade e a durabilidade da convivência, bem como a inexistência de impedimentos matrimoniais, com exceção das pessoas já casadas e separadas. Por fim, o requisito subjetivo, que é "divisor de águas" entre o namoro e a união estável, o objetivo de constituir família.

2.2.1 O requisito controvertido para formação da união estável

Embora expressamente previsto na Constituição Federal e no artigo 1.723 do Código Civil, o requisito da diversidade de sexos apresenta grande controvérsia entre a doutrina e jurisprudência atuais.

Muitos doutrinadores entendem que somente é possível a união estável entre homem e mulher. Há muitos julgados nesse mesmo sentido. No Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, é possível dizer que aproximadamente metade dos julgados recentes pactuam desse entendimento.

Em sentido contrário, muitos doutrinadores entendem que é possível a união estável entre pessoas do mesmo sexo, desde que presentes os demais requisitos do artigo 1.723 do Código Civil. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul praticamente pacificou o entendimento nesse sentido.

O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) se posiciona a favor do reconhecimento da união estável homoafetiva. Por outro lado, o Congresso Nacional, até hoje, rejeitou todas as iniciativas de lei que pretendiam prever expressamente essa possibilidade.

O Superior Tribunal de Justiça ainda não pacificou o seu entendimento. Há decisões reconhecendo a união estável homoafetiva, e outras, equiparando esse tipo de união a uma sociedade de fato, sem status de entidade familiar.

Como se pode perceber, no momento histórico em que este artigo é redigido, não há consenso a respeito do tema. Há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade tramitando no Supremo Tribunal Federal [1], com o objetivo de considerar inconstitucional a expressão "entre homem e mulher", prevista no artigo 1.723 do Código Civil. Ao ser julgada a referida ação, o tema deverá ser pacificado.

O presente artigo não tem por objetivo analisar esta questão. Assim, para quem entende ser possível a constituição da união estável homoafetiva, basta desconsiderar o requisito da diversidade de sexos. Por outro lado, para quem entende somente ser possível a união estável entre homem e mulher, será necessário incluir o requisito da diversidade de sexos juntamente com os demais requisitos objetivos da união estável, abordados a seguir.

2.2.2 Os requisitos objetivos para formação da união estável

Para que se forme a união estável, o relacionamento amoroso deve ser contínuo. Isso quer dizer que a convivência não pode ser eventual. Como é sabido, todo o casal tem suas brigas e suas idas e vindas. Tais desentendimentos não desconfiguram o requisito da continuidade. O importante é que a relação não seja vista como casual.

O relacionamento do casal também deve ser público. A publicidade pode estar restrita ao círculo social do casal, entre parentes e amigos. A discrição não desconstitui a união estável. O que não se admite é a união secreta. Por isso, a relação deve ser notória.

Ainda, a convivência deve ser duradoura. Essa durabilidade, atualmente, não encontra nenhum prazo específico. A Lei nº 8.971 de 1994 previa que a convivência deveria ter duração mínima de cinco anos para a constituição da união estável. Entretanto, esta norma não está mais vigente. Este requisito deve ser observado conjuntamente com os demais, com razoabilidade e bom senso. Uma relação de apenas um mês, por exemplo, não pode ser considerada uma união estável.

Importante salientar que a coabitação não é requisito para se constituir a união estável. Embora seja mais difícil de ocorrer, um casal pode conviver em união estável, mesmo que os conviventes residam em casas diferentes. Na prática, porém, a união estável só vai se configurar nestes casos quando a residência em casas separadas tiver uma causa justa, como por exemplo, por motivos profissionais.

Além disso, deve ser observado um requisito negativo para que seja formada a união estável. Trata-se da inexistência de impedimentos matrimoniais, os quais estão previstos nos incisos do artigo 1.521 do Código Civil. A união, ainda que duradoura, pública e contínua entre irmãos, por exemplo, não pode ser considerada uma união estável, pois o parentesco entre eles configura um impedimento matrimonial. O referido artigo traz outras hipóteses de impedimentos matrimoniais.

Não obstante o estado civil de casado de uma pessoa configurar impedimento matrimonial para um novo casamento, as pessoas casadas podem constituir união estável, desde que separadas de fato ou judicialmente.

Se todos os requisitos objetivos positivos (continuidade, publicidade e durabilidade) estiverem presentes, mas não estiver presente o requisito objetivo negativo (ausência de impedimento matrimonial, com exceção das pessoas casadas e separadas), a relação não constituirá uma união estável, mas sim um concubinato, o qual não traz os mesmos direitos.

Neste momento a confusão se instala. Os requisitos objetivos ora estudados para configurar uma união estável, são comumente percebidos em alguns namoros. Não são poucos os casais de namorados que mantêm convivência amorosa contínua, pública, duradoura e sem impedimentos matrimoniais, exatamente como foi definido acima.

Voltemos então a definir o namoro qualificado. Nele estão presentes todos esses requisitos objetivos da união estável. Portanto, se entende por namoro qualificado aquela relação amorosa em que há continuidade, publicidade, durabilidade e ausência de impedimentos matrimoniais, mas não chega a ser uma união estável.

O que diferencia, então, o namoro qualificado da união estável? A resposta está no requisito subjetivo: o objetivo de constituir família. Um casal de namorados não tem intuito de constituir família, enquanto o casal que vive em união estável tem essa intenção. Mas é preciso estudar com muito cuidado este requisito, pois é muito comum interpretá-lo de maneira errada.

Vejamos.

2.2.3 O requisito subjetivo para formação da união estável

O objetivo de constituir família a que se refere o artigo 1.723 do Código Civil deve ser compreendido como um objetivo consumado e não um objetivo futuro.

Carlos Roberto Gonçalves adverte que é necessária a "efetiva constituição de família, não bastando para a configuração da união estável o simples animus, o objetivo de constituí-la, pois, do contrário estaríamos novamente admitindo a equiparação do namoro ou noivado à união estável".[2]

Aliás, o objetivo de constituir a família no futuro, como ocorre no noivado, por exemplo, apenas comprova que a união estável não está configurada. Para que este requisito esteja presente, o casal deve viver como se casado fosse. Isso significa dizer que deve haver assistência moral e material recíproca irrestrita, esforço conjunto para concretizar sonhos em comum, participação real nos problemas e desejos do outro e etc.

No namoro qualificado, portanto, embora possa existir um objetivo futuro de constituir família, em que o casal planeja um casamento ou uma convivência como se casados fossem, a verdade é que não há ainda essa comunhão de vida. Apesar de se estabelecer uma convivência amorosa pública, contínua e duradoura, um dos namorados, ou os dois, ainda preservam sua vida pessoal e sua liberdade. Os seus interesses particulares não se confundem no presente e a assistência moral e material recíproca não é totalmente irrestrita.

Neste sentido, vamos analisar dois julgados da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. O primeiro deles, não reconhece a união estável por não observar a presença do requisito do objetivo de constituir família:

"UNIÃO ESTÁVEL - Convivência que pressupõe vida comum - Caracterização que exige certos requisitos, bem delineados pela doutrina • Necessidade da existência da posse de estado de casado, consistente de relacionamento público, notório, duradouro, que configure um núcleo familiar - Artigo 1.723 do novo Código Civil - Exigência de vida em comum, more uxório, não necessariamente sob o mesmo teto, mas com sinais claros e induvidosos de que aquele relacionamento é uma família, cercada de afeto e de uso comum do patrimônio - Existência de pacto concubinário, onde as partes declararam expressamente não ter intenção de estabelecer uma entidade familiar - Inexistência de provas concludentes que infirmem tal declaração, ou indicativas de vício de consentimento - Situação que se aproxima de namoro qualificado, sem o propósito de constituir família - Ação improcedente - Recurso não provido". [3]

O segundo caso, ao contrário, reconhece a união estável, por verificar a presença do requisito do objetivo de constituir família:

"UNIÃO ESTÁVEL - Requisitos - Relacionamento público, notório, duradouro, que configure núcleo familiar - Convivência estável e duradoura, por quase doze anos - Prova dos autos que demonstra características do relacionamento do casal, que ultrapassam os contornos de um simples namoro - Réu que arcava com as despesas do lar, inclusive de sustento dos filhos exclusivos da companheira, assumindo a condição de verdadeiro chefe de família - Auxilio financeiro que perdurou para além do término do relacionamento, revelando dever moral estranho a simples namoro - Partilha de bens - Desnecessidade da prova de esforço comum na aquisição dos bens - Art. 5o da Lei n. 9.278/96 - Comunicação 'ex lege' apenas dos bens adquiridos onerosamente na constância da união - Ação parcialmente procedente - Recurso provido em parte". [4]

2.2.4 O contrato como forma de constituição do namoro ou união estável

É possível formalizar um documento para constituir um namoro ou uma união estável?

Primeiramente, é importante salientar que o artigo 1.723 do Código Civil é norma de ordem pública. Assim sendo, não é possível que o casal renuncie qualquer dos requisitos de formação da união estável, mesmo se ambos estiverem de mútuo acordo. Isso significa que o "contrato de namoro" não tem validade para evitar a configuração da união estável, a qual se constituirá com ou sem contrato, desde que os seus requisitos estejam, de fato, presentes.

Isso não quer dizer que o contrato de namoro não possa ser formulado. Ele apenas não terá o condão de substituir o texto da lei, mas será útil para registrar a vontade do casal. Isso porque, em algumas situações, é muito difícil de saber e de provar se determinado indivíduo tem ou não o intuito de constituir família. Sem dúvida alguma, uma declaração escrita exterioriza e comprova a intenção dessa pessoa, sendo muito importante em eventual processo judicial. Basta verificar o pacto realizado no julgado supracitado [3], em que o documento escrito declarando a não intenção de constituir família foi fundamental para o julgamento.

Entretanto, é preciso tomar cuidado para que o casal não tente formalizar uma situação mentirosa, ao declarar que seu relacionamento constitui namoro e não união estável, quando na verdade suas atitudes configuram de fato a união estável, contradizendo a declaração escrita. Se isso ocorrer e for comprovado, o contrato será considerado nulo por simulação, nos termos do artigo 167, II do Código Civil, e a união estável será reconhecida.

Da mesma maneira, não é possível que o casal pactue viver em união estável, simulando um fato inexistente, caso os requisitos do artigo 1.723 do Código Civil não estiverem realmente preenchidos. Assim, por exemplo, um contrato de união estável não terá validade para um casal que estabeleça uma relação sem o objetivo de constituir família, com a única intenção de incluir um dos namorados como dependente no plano de saúde do outro. Caso fique comprovado que o relacionamento é desprovido de qualquer dos requisitos da união estável, este contrato também será nulo.

3. As consequências do namoro e da união estável

Quais os direitos dos companheiros na união estável? E dos namorados?

Em primeiro lugar, é importante deixar claro que a união estável é considerada uma entidade familiar. Assim prevê o artigo 226, parágrafo 3º da Constituição Federal. Já o namoro não tem esse status.

Como entidade familiar, a lei estabelece diversos direitos aos companheiros, não conferidos aos namorados.

3.1 Direitos dos companheiros na união estável

Os companheiros têm direito à herança do outro nos casos previstos em lei, especificamente conforme prevê o artigo 1.791 do Código Civil.

Além disso, também têm direito aos alimentos, desde que comprovem a sua real necessidade de recebê-los e a possibilidade do outro em pagá-los. É o que estabelece o artigo 1.694 do Código Civil.

Ademais, em decorrência da dissolução da união, o ex-companheiro tem direito à meação dos bens adquiridos onerosamente na constância da união, se o regime de bens for o da comunhão parcial de bens. Não havendo contrato estipulando outro regime de bens, vale o da comunhão parcial. Assim preceitua o artigo 1.725, combinado com os artigos 1.658 e seguintes do Código Civil.

É possível que o casal firme contrato estabelecendo regime de bens diverso, como por exemplo, o da separação total de bens ou da comunhão universal de bens. Sendo estipulado o regime da separação total, o ex-companheiro não terá direito a nenhuma parte dos bens que não estiverem em seu nome. Ao contrário, se o regime for o da comunhão universal, o ex-companheiro terá direito a metade de todos os bens que estiverem em nome do outro.

3.2 Direitos dos namorados

Os namorados não têm direito à herança nem aos alimentos. Da mesma forma, com o fim do namoro, não há qualquer direito na meação dos bens do ex-namorado. Aliás, nem há que se falar em regime de bens ou em partilha de bens entre namorados.

Há casos, entretanto, em determinada fase mais séria do relacionamento, como no noivado, por exemplo, em que a intenção de constituir família não está consumada, mas é futura e já houve aquisição de bens. Em outras palavras, não se configura ainda a união estável, mas há contribuição financeira de ambos, para um imóvel, que às vezes está em nome de um só, mas que serviria de residência para a futura união.

Com o rompimento deste namoro qualificado, se não há possibilidade de partilha de bens, como se resolve a questão? Nestes casos, a solução não será dada por uma vara de família. Será necessário um acerto de contas em vara cível. Aquele que contribuiu para a aquisição ou melhoria do bem que não é de sua propriedade, terá o direito de ser indenizado, a fim de evitar o enriquecimento sem causa do proprietário. É necessário, no entanto, que cada despesa seja devidamente comprovada. E o valor da indenização ficará restrito ao ressarcimento da quantia com a qual contribuiu. Essa é exatamente a hipótese do seguinte julgado:

"INDENIZAÇÃO. Pedido de restituição de quantias pagas ao ex-namorado para reforma de imóvel de propriedade dele. Hipótese de necessidade de acerto de contas após a ruptura do relacionamento. Ausência de danos morais. Recursos desprovidos". [5]

4 Conclusão

Conclui-se que a diferença quanto à constituição entre o namoro e a união estável, reside nos requisitos de configuração desta última, previstos no artigo 1.723 do Código Civil. É possível que um namoro apresente os mesmos requisitos objetivos da união estável, quais sejam, convivência contínua, pública e duradoura, bem como a ausência de impedimentos matrimoniais (com a exceção das pessoas casadas, desde que separadas de fato ou judicialmente). A relação em que estiverem presentes tais requisitos e não configurar uma união estável é chamada de namoro qualificado.

Além destes requisitos, para aqueles que não admitem a possibilidade jurídica da união homoafetiva, ainda pode ser incluído como requisito objetivo a diversidade de sexos.

O que diferencia o namoro qualificado e a união estável é o requisito subjetivo. O intuito de constituir família. Essa intenção deve ser consumada. A família já deve estar constituída, não podendo o requisito ser mal interpretado, no sentido de que esse objetivo de constituir família seria futuro.

O contrato assinado pelo casal pode ser um eficaz meio de se comprovar a intenção dos conviventes ou namorados em relação ao requisito do objetivo de constituir família. Contudo, não serve para substituir o texto da lei e relativizar ou desconsiderar algum requisito da união estável. O pacto firmado não pode dispor de maneira diversa do contido no artigo 1.723 do Código Civil, por se tratar de norma de ordem pública.

A diferença quanto às consequências entre a união estável e o namoro são muito grandes. Pelo fato de a união estável ser considerada pela Constituição uma entidade familiar, os companheiros têm direito a herança, a alimentos e a meação dos bens do outro, dependendo, neste último caso, do regime de bens.

Os namorados, por sua vez, não têm qualquer direito, pois o namoro não é uma entidade familiar. Entretanto, caso haja contribuição financeira de um dos namorados em algum bem que seria utilizado pelo casal no futuro, e, se dessa contribuição sobrevier prejuízo comprovado com o fim do namoro, o ex-namorado prejudicado tem direito ao ressarcimento, pois o nosso ordenamento jurídico veda o enriquecimento sem causa.

Referências

[1] ADPF 178/DF, convertida em ADIN por despacho do Ministro Gilmar Mendes em 21/07/2009. Disponível em Acesso em 23 de dezembro de 2010.

[2] GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito Civil – Direito de Família, p. 542. São Paulo: Saraiva, 2006.

[3] TJSP, 4ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 637.738-4/2-00, rel. Des. Francisco Loureiro, j. 30-04-2009, v.u.

[4] TJSP, 4ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 552.044-4/6-00, rel. Des. Francisco Loureiro, j. 07-08-2008, v.u.

[5] TJSP, 4ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 994.07.121833-0, rel. Des. Teixeira Leite, j. 09-09-2010, v.u.

Sobre o autor
Alex Ravache
Pós-graduando em Direito de Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito; Pós-graduando em Direito Processual Civil pela PUC/SP
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
RAVACHE, Alex. Diferença entre namoro e união estável. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2768, 29 jan. 2011. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2011.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Assédio sexual de trabalhador contra colega de mesmo nível hierárquico não gera indenização

26/01/2011 - 18:12 | Fonte: TRT15
A reclamante era funcionária de um hospital beneficente de Araçatuba, onde trabalhava como servente na lavanderia. Depois dos três primeiros meses de trabalho, findo o período de experiência, um colega do mesmo departamento começou o assédio. Ele “colocava a mão no pênis e chacoalhava”, afirmou a trabalhadora ao juízo da 2ª Vara do Trabalho de Araçatuba. “Outro dia ele apareceu sem camisa na porta do banheiro e chamou para tomar banho.” Segundo a reclamante, outra colega da seção presenciou o primeiro gesto do colega, mas salientou que o convite para o banho foi feito em duas ocasiões diferentes.
Quando a reclamante procurou o chefe e comunicou o fato, uma semana antes de sua dispensa, pedindo para mudar de setor, ele disse que ela estava com “ladainha”. A trabalhadora então pediu para ser demitida.
Todas as quatro testemunhas no processo foram mulheres. Das duas testemunhas da reclamante, uma confirmou a história da colega. Uma vez, ela presenciou o colega, “sem camisa, na porta do banheiro, perguntando se a reclamante não estava com calor e se queria tomar banho; passava a mão no peito e falava que era ‘gostoso’”. A testemunha disse que deixou o local logo que percebeu a situação, porque “ficou com vergonha”, e por isso não sabe dizer o que a reclamante respondeu ao colega de trabalho. A segunda testemunha da autora disse que havia trabalhado com a reclamante e o acusado de assédio no mesmo setor e que, no início, “esses eram colegas”, mas que, no final, ficou sabendo que havia “desentendimento entre ele e a reclamante a respeito do trabalho”, mas negou ter presenciado “comportamento ou atitude de caráter sexual” do colega em face da autora da ação e afirmou que “no período em que trabalharam juntos, ele nunca faltou com respeito em relação a ela”.
Das duas testemunhas da reclamada, uma que trabalhava na rouparia, setor ao lado da lavanderia, disse que “não presenciou ou ouviu falar sobre brincadeiras ou desentendimentos” entre a reclamante e o colega acusado de atos libidinosos. A outra testemunha, que trabalha há nove anos na reclamada como servente, disse que ouviu a reclamante dizer das “brincadeiras que ela não gostou”, mas negou ter presenciado. A testemunha também disse que já “trabalhou junto com o colega”, mas negou qualquer desentendimento ou brincadeira de cunho sexual com ele.
O juízo de primeira instância julgou improcedente o pedido de indenização por dano moral feito pela trabalhadora, e por isso ela recorreu, sob o argumento de ter sofrido assédio sexual de superior hierárquico. Segundo alega, esse fato era conhecido por seu empregador, “o que lhe causou situação vexatória no ambiente de trabalho e que a levou a pedir o desligamento da empresa”.
O relator do acórdão da 3ª Câmara do TRT da 15ª, desembargador Edmundo Fraga Lopes, entendeu que a sentença de primeiro grau deveria ser mantida, negando assim o pedido de indenização da trabalhadora. A justificativa foi de que “para que a empresa pudesse responder pelo ato seriam necessárias provas de que a diretoria tivesse conhecimento do fato e se omitisse diante dele, mas isso não ficou claro nos autos”. Além do mais, “ficou comprovado que as atitudes do assediador eram eventuais” e que “a relação entre empregado e colegas de trabalho foge do poder de comando do empregador, a menos que este tenha sido comunicado e se omitido, mas não é o caso”.
O acórdão salientou ainda que “autora e suposto assediador são dois empregados da reclamada, ocupantes do mesmo cargo de servente. Portanto, não se trata de superior hierárquico, como alegado pela trabalhadora”. A decisão destacou que a trabalhadora levou muito tempo para comunicar o fato ao seu superior, uma vez que se extrai dos depoimentos que “o início do alegado assédio ocorreu em janeiro de 2005, enquanto que a reclamante comunicou o fato ao seu empregador somente uma semana antes do término do contrato de trabalho, que ocorreu em novembro de 2005”. “Por isso, não há que se falar em conduta omissiva do empregador.”
Em conclusão, o acórdão frisou que “tudo não passou de desentendimento entre colegas de trabalho, de cunho pessoal, que não macula o empregador, a ponto de lhe ser imputada a culpa pelo suposto assédio”.
Processo 00286-2006-061-15-00-5 RO

Código abordará endividamento

Fonte: Valor Econômico, 26/01/2011

O mais novo código brasileiro, que trata da defesa do consumidor, vai passar por uma reforma para abranger um tema que preocupa as famílias brasileiras: o superendividamento – total de contas acima da capacidade de pagamento. Hoje, de acordo com pesquisa divulgada recentemente pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), 59,4% de um total de 17,8 mil famílias entrevistadas estão endividadas. Desse percentual, 22% estão com contas em atraso e 7,9% alegam que não terão como quitar suas dívidas. Um anteprojeto com previsões legais sobre o assunto deve estar pronto em seis meses. O texto também deve regulamentar melhor outros temas, como o comércio eletrônico e o papel dos Procons como meio alternativo de resolução de conflitos.

Ainda que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) seja considerado de vanguarda pela comunidade jurídica e estar apenas 20 anos em vigor, o ingresso de 50 milhões de consumidores no mercado de crédito desde a década de 90 impõe a revisão da lei, segundo a justificativa do presidente da comissão, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin. Ele participou da comissão que elaborou o CDC atual, em 1989, quando atuava como promotor de justiça. No entanto, nessa época, segundo o ministro, a inflação e o sistema bancário impediam essa discussão sobre o mercado de crédito.

O novo projeto, de acordo com Benjamin, não deve tratar da regulação dos serviços financeiros em si, mas de transparência, informação e o direito de arrependimento no mercado de crédito, a exemplo do que já é feito em outros países. Além da diretiva europeia editada em 2008, França, Suécia, Alemanha, Dinamarca, Finlândia, Estados Unidos, Bélgica e Áustria possuem normas de proteção ao consumidor contra o superendividamento.

Apesar de o foco principal ser o superendividamento, o novo código também deve regulamentar melhor o comércio eletrônico, agora utilizado em larga escala pelos consumidores brasileiros. O texto ainda deve investir no fortalecimento dos Procons, para diminuir os litígios judiciais. No STJ, estima-se que de 20% a 30% dos recursos da 2ª Seção – responsável pelo julgamento de temas de direito privado – tratem de relações de consumo.

A comissão, que teve sua primeira reunião em dezembro, também é composta pela jurista Ada Pellegrini Grinover, copresidente da comissão responsável pelo anteprojeto; a professora Claudia Lima Marques, responsável pela redação do CDC-Modelo das Américas; o promotor do Distrito Federal e especialista em serviços financeiros, Leonardo Bessa e Roberto Pfeiffer, ex-diretor do Procon-SP.

O grupo pretende ouvir setores específicos da sociedade, como as instituições financeiras, a Defensoria Pública, o Ministério Público, os Procons e o Poder Judiciário. Depois de um primeiro esboço, a comissão deve organizar audiências públicas nas principais cidades do país para ouvir a população. Só então, o anteprojeto será apresentado ao Senado.

Os temas que serão incluídos no anteprojeto foram, em geral, bem recebidos pelos advogados. Segundo Marcelo Roitman, sócio do Pompeu, Longo, Kignel & Cipullo Advogados, a regulamentação que tratará do superendividamento vem em boa hora. “Essa superoferta de crédito só começou a ocorrer há alguns anos e agora é preciso haver regras mais claras para o consumidor de boa-fé, que não conseguiu, por algum motivo, honrar suas dívidas”, diz. Para ele, contratempos como o desemprego, doença ou separação podem fazer com que o consumidor tenha sua renda reduzida de uma hora para outra. “O que se deve discutir é como resolver o problema da inadimplência para que o consumidor volte ao mercado.”

Até agora, os casos de superendividamento tem que ser tratados individualmente na Justiça, que se baseia em princípios como a função social do contrato e a boa-fé para reduzir multas, juros e alongar os prazos de pagamento. “O ideal é que existam regras gerais para propor um mecanismo parecido com o da recuperação judicial de empresas”, afirma Roitman. Com relação ao comércio eletrônico, o advogado diz acreditar que as normas já existentes são suficientes.

Já o fortalecimento dos Procons, de acordo com a advogada Juliana Christovam João, do Rayes, Fagundes e Oliveira Ramos Advogados, pode ser uma boa maneira de desafogar o Judiciário. O advogado Antonio Carlos de Oliveira Freitas, sócio do Luchesi Advogados, entende, no entanto, que não há necessidade de se elaborar um novo código para fazer atualizações pontuais.

Justiça permite que empresa filme aréa de trabalho

Fonte: Valor Econômico, 20/01/2011

Os empregados não estão livres de serem monitorados por câmeras no exercício de suas funções. A Justiça Trabalhista tem aceitado essa possibilidade, desde que a companhia respeite certos limites. O primeiro deles é que o funcionário saiba que está sendo filmado. O segundo, é que o monitoramento exclua áreas como banheiros e refeitórios. Em recente decisão da 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), os ministros rejeitaram recurso do Ministério Público do Trabalho da 17ª Região (ES) que, segundo a Corte, não conseguiu provar a existência de dano moral coletivo pela filmagem dos funcionários da empresa Brasilcenter Comunicações.

Os ministros mantiveram a decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 17ª Região. Segundo o TRT, a vigilância com câmera quando ocorre apenas no local efetivo de trabalho, terminais bancários e portas principais, não representa violação à intimidade do empregado. O tribunal chegou a questionar “o que de tão íntimo se faz durante seis horas, trabalhando na atividade de telemarketing, que não possa ser filmado”. Os desembargadores ainda consideraram razoável a justificativa da empresa, ao utilizar o monitoramento, de que teria a necessidade de proteger seu patrimônio, por possuir peças de computador que poderiam ser furtadas. No TST, o relator, ministro Mauricio Godinho Delgado, também entendeu que não havia violação aos preceitos constitucionais alegados pelo Ministério Público.

Para a advogada trabalhista Patrícia Medeiros Barboza, do Campos Mello Advogados, existe uma tendência na Justiça Trabalhista de admitir o monitoramento. “O empregador tem o poder de monitorar”. “Além do mais qual seria a diferença de colocar um fiscal na produção e uma câmera?”, diz. No entanto, ela afirma que o resultado filmagem não pode ser utilizado para outros fins. Caso, por exemplo, de um vigilante que divulgou um desses vídeos na internet. A Justiça condenou a empresa pelo dano causado aos trabalhadores. Segundo ela, há decisões do TST que preferem a filmagem à revista, por ser menos invasiva.

As empresas, porém, que filmam o banheiro têm sido condenadas por dano moral pelo TST. No ano passado, em decisão da 1ª Turma, o ministro Lelio Bentes afirmou que essa conduta extrapola os limites do poder de direção e causa constrangimento com violação ao direito à intimidade.

Vaga em cartório só com concurso público

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai negar seguimento a todos os recursos de escrivães que querem se manter nos cartórios extrajudiciais sem se submeter a concurso público. Esses escrivães entraram interinamente no cargo e se insurgiram contra decisão da Corregedoria Nacional de Justiça - que declarou a vacância dos cargos. Eles alegam direito adquirido, por estarem há mais de cinco anos no cargo.

"O Supremo Tribunal Federal já decidiu que, contra a Constituição, não há direito adquirido”, afirmou a ministra Eliana Calmon, atual corregedora Nacional de Justiça.

Na sessão desta terça-feira (25/01), os conselheiros decidiram julgar todos os 7 mil recursos em bloco. Primeiro, a ministra Eliana Calmon vai intimar todas as pessoas que entraram com processo. Segundo ela, os recursos são idênticos. Além disso, o próprio CNJ e STF já entenderam que, após a Constituição de 1988, os cargos têm que ser preenchidos mediante concurso.


Fonte: CNJ

Contrato de cheque especial não serve como título executivo

O contrato de abertura de crédito rotativo em conta-corrente, usado, na maioria das vezes, na modalidade cheque especial, não possui força executiva. A decisão foi adotada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça ao negar provimento a recurso especial interposto pelo Banco do Brasil contra decisão favorável a clientes que sofriam ação de execução.

Os clientes celebraram com o Banco do Brasil contrato de abertura de crédito em conta-corrente, ou crédito rotativo, deixando de honrar parte do compromisso. Em razão disso, foi celebrado posteriormente contrato de abertura de crédito fixo, para saldar a dívida anterior com a própria instituição. Em razão de novo inadimplemento, o banco ajuizou execução de título extrajudicial aparelhada apenas com o segundo instrumento firmado.

Os embargos à execução interpostos pelos clientes da instituição foram acolhidos, em grau de recurso, pela Justiça de Santa Catarina, que determinou a extinção da execução. O Tribunal de origem entendeu que, em se tratando de renegociação de dívida anterior, sem ocorrência de novação, seria fundamental que a ação estivesse acompanhada dos documentos que originaram o débito. A execução foi extinta em razão da ausência de título executivo, fato que impossibilitaria o devedor de questionar a legalidade dos encargos previstos no contrato original e que teriam gerado o débito executado.

O Banco do Brasil interpôs recurso especial alegando que a ação de execução teria sido baseada em contrato de abertura de crédito fixo e argumentando ser irrelevante se esse contrato consistiria ou não novação em relação ao contrato que originou a dívida. O banco sustentou também que, caso o documento apresentado se mostrasse incompleto para embasar o pedido, seria necessário aplicar o artigo 616 do Código de Processo Civil, que prevê a fixação do prazo de 10 dias para emendar a inicial de execução.

O relator do recurso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, considerou inviável a concessão de prazo para emendar a inicial, porque o acórdão recorrido entendeu que tal providência configuraria alteração da causa de pedir. Dessa forma, estaria se tratando de reexame de prova em recurso especial, o que é vedado pela Súmula 7 da Corte. O relator considerou que nem mesmo a emenda teria condições de viabilizar a execução, já que os documentos faltantes seriam relativos a contrato de abertura de crédito e extratos bancários, que seriam documentos impróprios para aparelhar a execução.

Quanto à validade dos instrumentos apresentados na ação, o entendimento do relator foi de que o acórdão do TJSC não identificou, no contrato de abertura de crédito fixo apresentado, qualquer intenção de novar, ou seja, criar nova obrigação por meio da substituição e extinção da anterior. Dessa forma, o ministro entendeu que deve mesmo prevalecer como instrumento principal da ação o contrato de abertura de crédito rotativo, celebrado anteriormente ao de abertura de crédito fixo, e que não constitui título executivo válido.

Em seu voto, o ministro entendeu que o contrato de abertura de crédito rotativo não configura em si uma obrigação assumida pelo consumidor. "Ao contrário, incorpora uma obrigação da instituição financeira em disponibilizar determinada quantia ao seu cliente, podendo dela utilizar-se ou não", afirmou. No entendimento do ministro, a ausência de executividade do contrato de abertura de crédito rotativo decorre do fato de que não há dívida líquida e certa quando da assinatura do contrato pelo consumidor, ocasião em que surge a obrigação para a instituição financeira de disponibilizar determinada quantia ao seu cliente.

Dessa forma, diferentemente dos contratos de crédito fixo, onde o cliente conhece antecipadamente o valor da dívida, os valores eventualmente utilizados no crédito rotativo são documentados unilateralmente pela própria instituição, sem qualquer participação do cliente, o que não tornaria presentes, neste tipo de contrato, a certeza e liquidez no próprio instrumento, características essenciais a um título executivo. Essas exigências, no entendimento do relator, também não seriam alcançadas com a apresentação de extratos bancários pelo credor, porque não é possível ao banco criar títulos executivos à revelia do devedor.

Os ministros da Quarta Turma do STJ acompanharam o entendimento do relator e negaram provimento ao recurso especial, considerando prevalecer a tese de que o contrato de abertura de crédito (em conta-corrente, rotativo ou cheque especial), ainda que acompanhado dos extratos relativos à movimentação bancária do cliente, não constitui título hábil a aparelhar processo de execução, podendo servir de início de prova para eventual ação monitória, como assinalado pelas súmulas 233 e 247 do STJ. O assunto pode vir a ser novamente submetido à análise do relator, tendo em vista que foram opostos embargos de declaração no início do mês de janeiro.


Fonte: Superior Tribunal de Justiça

Jurisprudenciando – Errar é humano

Por George Marmelstein Lima
O pior tormento que um juiz pode sentir é dormir com a sensação de que cometeu uma injustiça. A sentença abaixo, proferida em 2005, tirou um grande peso das minhas costas, pois me permitiu corrigir um enorme erro que eu havia cometido.
Em audiência, indeferi um pedido de benefício assistencial, com base em perícia médica que dizia que parte autora, que era empregada doméstica e tinha câncer, podia trabalhar, apesar da quimioterapia.
Logo depois da audiência, veio aquela sensação de ter errado. Pesquisei na internet e vi que todos os sites especializados em câncer indicavam que o tratamento quimioterápico recomendava repouso, até porque o paciente já fica normalmente com uma sensação de cansaço, como se estivesse de ressaca. Conversei com um amigo oncologista que confirmou minhas suspeitas: realmente, quem está em tratamento de quimioterapia não consegue realizar atividades físicas. Portanto, aquela empregada doméstica que bateu às portas da Justiça pedindo um simples pedido de benefício assistencial, cujo valor é de apenas um salário mínimo, tinha razão. Ela tinha mesmo direito ao benefício, já que não seria capaz de realizar suas atividades normais, nem tinha escolaridade para trabalhar em outra área.
Então, consciente do erro, proferi a sentença abaixo que, para muitos é uma aberração jurídica, uma decisão “teratológica”. Para mim, foi a única forma que encontrei de dormir tranqüilo.

Sentença

Trata-se de ação do rito do Juizado Especial Federal em que a autora Janeide Maria Borges de Matos pretende obter do INSS o amparo assistencial, alegando que está em tratamento de câncer e, por isso, está incapacitada para o trabalho, não tendo renda suficiente para se manter.

Já houve perícia médica, audiência de instrução e até mesmo sentença. O pedido foi julgado improcedente, pois os laudos médicos, tanto do INSS quanto do perito judicial, indicaram que a autora não está incapacitada para o trabalho.

É conhecimento elementar em direito processual que o juiz, após sentenciar, cumpre seu ofício jurisdicional, não podendo alterar seu posicionamento, a não ser em situações excepcionais.

No presente caso, após inúmeros momentos de reflexão e até de algumas crises de consciência, percebi que a melhor solução é alterar o entendimento exposto em audiência, sob pena de estar cometendo uma injustiça flagrante. Passo a expor minhas razões.

É fato incontroverso que a autora não possui renda para prover sua subsistência, já que está desempregada. Igualmente, é fato incontroverso que ela é portadora de câncer. Também é incontroverso que ela está se submetendo à quimioterapia.

Ora, por mais que ela, aparentemente, esteja capacitada para o trabalho, é inegável que, durante o período de tratamento, sua situação laboral fica drasticamente reduzida. É ingenuidade pensar que uma pessoa como a autora, de parca instrução, consiga realizar algum trabalho durante o tratamento quimioterápico.

Com relação ao conceito de “incapacidade para o trabalho e para a vida independente” previsto na Lei Orgânica da Assistência Social, o entendimento adotado por este juízo é no sentido de que, para fins de recebimento do benefício assistencial, pessoa deficiente é aquela privada de condições físicas ou mentais para o desempenho de atividade laboral com que possa prover o sustento próprio. Não é necessário que a pessoa seja vegetativa, mas apenas que, em razão da doença incapacitante, ela não tenha como exercer trabalho remunerado, nem se sustentar de forma independente, sem ajuda de terceiros.

Em conversa com oncologistas, médicos especializados no tratamento do câncer, todos eles foram enfáticos ao afirmar que os efeitos colaterais da quimioterapia inviabilizam a prática de qualquer atividade laborativa. Tanto é assim que é costume de todo oncologista conceder a seus pacientes atestado médico indicando que, durante o tratamento, não há capacidade para o trabalho. Vale ressaltar que o médico judicial que atuou no presente caso não é especialista em oncologia, já que não há, aqui em Mossoró, médico com tal especialidade.

O rito do JEF, de louvável celeridade, especialmente por ocasião do princípio da concentração e da oralidade, faz com que o juiz tenha que decidir na própria audiência, sem muito tempo para reflexão, tal como foi feito no presente caso. Por um lado, isso é bom, pois permite uma agilidade incrível na solução da lide. Por outro lado, faz com que ocorram erros pontuais, na medida em que respostas apressadas podem gerar soluções injustas, como a que agora se tenta corrigir.

Qualquer juiz, sensível e ciente da importância de sua função, deixaria de lado um obstáculo meramente técnico-formal, qual seja, o que o impede de alterar sua sentença, para fazer valer um princípio maior, que é o princípio da dignidade da pessoa humana, que foi manifestamente ultrajado na sentença proferida verbalmente, na medida em que a decisão se baseou apenas em laudos frios e pouco fundamentados, sem atentar para as declarações prestadas pelas testemunhas e pela realidade vivida pelos pacientes que sofrem tratamento oncológico.

Por mais que se diga que a solução que ora se adota não é tecnicamente perfeita, não tenho o menor receio em deixar um pouco de lado esses dogmas processuais para fazer valer um valor maior, previsto na Constituição, que é o princípio da dignidade da pessoa humana.

Sendo assim, ao tempo em que declaro a nulidade da sentença proferida em audiência, hei por bem reconhecer a procedência do pedido autoral.
E finalizo a presente sentença, já com a consciência mais tranqüila, com as seguintes palavras de Rui Barbosa, em sua Oração aos Moços:

“Outro ponto dos maiores na educação do magistrado: corar menos de ter errado que de se emendar. Melhor será que a sentença não erre. Mas, se cair em erro, o pior é que se não corrija. E, se o próprio autor do erro o remediar, tanto melhor; porque tanto mais cresce, com a confissão, em crédito de justo, o magistrado, e tanto mais se soleniza a reparação dada ao ofendido”.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO DESTA AÇÃO para condenar o INSS a conceder, no prazo de 30 dias, o benefício assistencial à autora, enquanto ela estiver realizando tratamento oncológico.

Condeno ainda o INSS a pagar os valores atrasados, desde a data do requerimento administrativo, até a data da efetiva implantação do benefício, cujo montante, em 30/8/2005, equivale a R$ 8.069,12, conforme cálculos já anexados.

Publique-se e intimem-se pelo sistema virtual. Registre-se.

Mossoró, 21 de setembro de 2005

GEORGE MARMELSTEIN LIMA
Juiz Federal

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Projeto proíbe discriminação por inadimplência em seleção para emprego

Tramita na Câmara o Projeto de Lei 7809/10, do Senado, que proíbe a discriminação de candidatos a postos de trabalho que estejam em débito com o Serviço de Proteção ao Crédito, Serasa e outros cadastros de inadimplência. A medida também resguarda os direitos do empregado inadimplente.

O projeto inclui o critério da inadimplência entre práticas discriminatórias e limitativas já tipificadas e proibidas pela Lei 9.029/95, como a discriminação por sexo, cor e estado civil. Não é incomum empresas se servirem desse tipo de consulta para a seleção de pessoal.

"O candidato que deixa de honrar suas obrigações financeiras em razão do desemprego acaba sofrendo dupla pena. E é justamente o novo emprego que possibilitará a sua adimplência no mercado", adverte o autor, senador Paulo Paim (PT-RS).

Tramitação
O projeto aguarda o exame da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de seguir para o Plenário.
Íntegra da proposta:

PL-7809/2010

Reportagem - Marúcia Lima
Edição - Pierre Triboli

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Banco não deve indenizar cliente por roubo de joias e dinheiro armazenado em cofre

Duas clientes do Banco ABN AMRO Real não conseguiram indenização por danos morais e materiais pelo roubo de bens armazenados em cofre de segurança. Elas afirmaram que foram roubados US$ 60 mil em espécie e joias no valor de US$ 562,44 mil. O pedido de indenização foi negado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), uma vez que o contrato de locação do cofre proibia expressamente a guarda de moeda e joias.

Após ter o pedido negado em primeiro e segundo graus, as clientes, duas irmãs, recorreram ao STJ. Alegaram que a cláusula de limitação de uso do cofre seria abusiva e pediram a inversão do ônus da prova de prejuízo, que deveria ser produzida pelo banco.

O relator, ministro Massami Uyeda, esclareceu que as instituições financeiras respondem objetivamente pelos prejuízos causados aos seus clientes, salvo se for demonstrada a culpa exclusiva destes ou em caso fortuito ou de força maior. O ministro ressaltou que roubo e furto, ocorrências previsíveis, não são hipóteses de força maior. Dessa forma, é abusiva cláusula que afaste o dever de indenizar, nesses casos.

Contudo, o ministro considerou que o contrato de locação firmado entre as partes possui cláusula que expressamente limita o uso do cofre. A obrigação contratual do banco é zelar pela segurança e incolumidade do cofre, devendo ressarcir o cliente, na hipótese de roubo ou furto, pelos prejuízos referentes aos bens que, por contrato, poderiam estar no interior do compartimento. “Sobre os bens indevidamente armazenados, segundo o contrato, não há dever de proteção, já que refoge, inclusive, do risco profissional assumido”, entendeu o ministro.

Uyeda destacou que, nesse tipo de locação, o banco não tem acesso nem ciência do que é armazenado pelos clientes, sem intermediários, de forma que não há como impedir a guarda de objetos que o banco não se compromete a proteger. Nesse caso, o inadimplemento contratual não é do banco, mas sim do cliente, que deve arcar com as consequências de eventuais perdas.

O relator também afastou a alegação de abusividade da cláusula de limitação de uso do cofre. Ele afirmou que o preço do serviço é fixado com base no risco da obrigação assumida. Assim, a guarda irrestrita de bens no cofre, quando admitida, pressupõe uma contraprestação maior do que a arbitrada em contrato com cláusula limitativa de uso.

Quanto ao pedido de inversão do ônus da prova, Uyeda entendeu que a produção de provas pelo banco seria impossível, já que a instituição financeira não tem acesso ao que é armazenado. Mesmo sem provas, os autos apontam para a incompatibilidade entre o suposto conteúdo do cofre e a capacidade econômico-financeria das clientes, com base na declaração de rendimentos. Além disso, os dólares que as mulheres afirmaram ser do ex-marido de uma delas estavam com ele na época do roubo, segundo ele mesmo declarou.

Reconhecida repercussão geral no debate sobre correção monetária de saldos do FGTS

Acolhendo entendimento do ministro Ayres Britto, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do sistema Plenário Virtual, reconheceram a repercussão geral da questão discutida no Recurso Extraordinário (RE) 611503, interposto na Corte pela Caixa Econômica Federal (CEF). O recurso contesta decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) que determinou à CEF o pagamento de diferenças de correção monetária sobre saldos de contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), em decorrência da aplicação de planos econômicos.

A Caixa busca, por meio do RE, obstar o pagamento dos índices de atualização, alegando que tais indicadores foram reconhecidos como indevidos pela jurisprudência do Supremo, pacificada por ocasião do julgamento do RE 226855, “resguardando o patrimônio” do FGTS.

Segundo a CEF, “os valores do Fundo pertencem exclusivamente aos empregados que, em situações específicas, podem dispor do total depositado em seus nomes”. Dessa forma, na visão da Caixa, todas as ações que tratem da preservação do patrimônio do FGTS “apresentam questão constitucional com repercussão geral”.

Na compreensão da CEF, deve ser respeitado o parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil, segundo o qual é “inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal” ou fundado em aplicação ou interpretação considerada incompatível com a Constituição Federal de 1988. Sustenta que a decisão do TRF-3, se executada, violará os princípios da intangibilidade da coisa julgada e da segurança jurídica.

Ao analisar o requisito da repercussão geral, o ministro Ayres Britto, relator do RE, entendeu que “a questão constitucional debatida na causa ultrapassa os interesses das partes e é relevante sob os pontos de vista econômico, político, social e jurídico”. Dessa forma, manifestou-se pelo reconhecimento da ocorrência desse instituto no caso, posição acolhida por unanimidade pelos ministros no Plenário Virtual.

O mérito do RE 611503 ainda será apreciado pelo Plenário do STF.

Novos paradigmas no uso da força policial

*Archimedes Marques

Com o objetivo de reduzir gradativamente os índices de letalidade nas ações empreendidas pelos agentes da força pública, o Ministério da Justiça e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República editaram recentemente a Portaria Interministerial nº 4.226, de 31 de dezembro de 2010, estabelecendo novas diretrizes sobre uso da força e de armas de fogo por parte das polícias da União, compostas pela Força Nacional de Segurança, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e agentes penitenciários federais.
A luz do texto não atinge as corporações estaduais e municipais, como as policiais civil e militar e as guardas civis, entretanto, nada obsta que os próprios Estados e Municípios usem do mesmo parâmetro para os seus agentes.
Dentre as principais mudanças na conduta policial está a proibição do agente da força pública atirar contra o cidadão que esteja em fuga, mesmo que este esteja armado. O disparo de arma contra veículos que tenham furado um bloqueio policial ou em blitz, igualmente está proibido. O ato de apontar arma de fogo durante uma abordagem na rua ou em veículos também deve ser bastante criteriosa.
Pela nova regulamentação, também estão proibidos os chamados tiros de advertência, quando o agente dispara para o alto a fim de controlar situações de conflito ou objetivando parar pessoas ou veículos em situações suspeitas.
O uso da força letal pela polícia só será considerado legal em caso de legítima defesa própria ou de terceiros.
De acordo com o texto da portaria, o uso da força deverá obedecer aos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência.
Os agentes policiais deverão portar pelo menos dois outros instrumentos de menor poder ofensivo como alternativa ao uso da arma de fogo. Para isso, o porte de armas não-letais como spray de gás de pimenta, bastões tonfa, coletes à prova de bala e pistolas TASER serão incentivadas para o uso freqüente em todas as policias do país.
Não-letais são as armas especificamente projetadas e utilizadas para incapacitar cidadãos em conflito com a polícia, minimizando fatalidades.
É bem verdade que as armas não-letais não têm probabilidade-zero de risco, ou seja, pode ocorrer mortes ou ferimentos permanentes nos confrontos com a polícia, em virtude principalmente do poder dos electrochoques paralisantes das armas TASER, entretanto, reduzem esta probabilidade se comparadas com as armas tradicionais que têm por objetivo a destruição física dos seus alvos.
A prática demonstra e comprova através das diversas ações policiais que a única arma não-letal capaz de instantaneamente paralisar um criminoso e que pode muito bem ser portada no cinturão de qualquer policial é a pistola TASER, razão pela qual, deve ser tal utensílio de trabalho o parâmetro principal do Ministério da Justiça em aquisição e maior distribuição dessa tão importante arma para toda a força policial brasileira.
Esta ação interministerial não visa retirar as armas de fogo dos policiais, afinal, o armamento letal ainda é insubstituível em determinados confrontos, por isso todos os nossos agentes deverão portar a sua arma normal para enfrentar o perigo maior e a arma especial TASER para os demais conflitos que assim possa utilizar desse artifício.
A portaria ainda prevê que os processos de seleção para ingresso nas forças de segurança pública terão de observar se os candidatos possuem o perfil psicológico necessário para lidar com situações de estresse e uso da força e arma de fogo. Os cursos de treinamento policial também terão a obrigação de incluir nos seus currículos conteúdos pertinentes a nova regra e relativos à proteção dos direitos humanos.
O texto da portaria foi baseado no Código de Conduta para Funcionários Responsáveis pela Aplicação das Leis, adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU), de 1979, e também nos princípios do uso da força e de arma de fogo na prevenção do crime e tratamento de delinqüentes, adotado no Congresso das Nações Unidas em Havana, capital de Cuba, em 1999.
Assim caminhamos para alcançar a tão almejada polícia cidadã que estabelece o elo de boas ações direcionado verdadeiramente a serviço da comunidade, ou seja, uma polícia em defesa do cidadão e não ao combate ao cidadão.
Entretanto, apesar do avanço das medidas não podemos esquecer que a segurança pública pressupõe a existência de uma estrutura alicerçada em quatro pilares tão básicos quanto necessários: excelente salário, excelente equipamento, excelente treinamento e excelente Corregedoria de polícia, tudo em busca da sonhada polícia de excelência.
No item principal desse pilar, a PEC 300 que busca dentre outras melhorias, o piso salarial nacional, um salário digno para a polícia, se arrasta lentamente, sempre procrastinada, sem solução adequada ou aprovação definitiva no Congresso Nacional e até com proposta de inviabilização, dá a entender é que o poder público pretende continuar com uma polícia fraca, desvalorizada, desmotivada, desacreditada, submissa, esvaziada, humilhada, falida.

(Delegado de Policia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Publica pela Universidade Federal de Sergipe) archimedes-marques@bol.com.br


Revista Jurídica Netlegis, 25 de Janeiro de 2011

União homoafetiva: a Igreja Católica e a República "tiririlma"

Elaborado em 01/2011.

Página 1 de 1

Atahualpa Fernandez | Manuella Maria Fernandez





Discutir acerca de princípios e valores éticos absolutos é inútil porque os interlocutores, se os há, se negam a esse tipo de contenda argumentativa. Quando a postura moral alude a valores que alguém tem por universais e eternos, esse alguém não vai dar o braço a torcer sob nenhuma circunstância: assim se lhe torture, se lhe dê argumentos razoáveis ou se lhe enfrente com as necessidades de outras pessoas; seus valores supremos não sofrerão nenhum câmbio.

Nesse sentido, entrar em polêmicas com a Igreja católica – ou com qualquer outra facção religiosa e/ou conservadora – resulta uma perda de tempo e até um absurdo de raiz. Se se pensa que a orientação sexual, ainda que constitua parte da dignidade humana, deve seguir o rígido "projeto sexual do Criador" (para usar as palavras ditas em 1986 pelo então Cardeal Ratzinger) e, portanto, não pode ser praticada em nome de nenhum fim que se considera "contra natura" [01], nem de qualquer outra ordem pelo estilo, então apaga tudo e vamos descansar. Nada do que sustentem os cientistas, políticos, juristas, filósofos, psicólogos ou os equivalentes dos sacerdores em outras religiões fará mover nem um milímetro a opinião da cúpula da Igreja católica sobre este tema, para dizer o mínimo.

É que a Igreja, inspirada pelo Espírito Santo, segue os ditames de Deus, de quem (ou "do que") o Papa, em comunhão com o Sagrado Magistério, é vicário e agente exclusivo na Terra. Isto significa que quando Deus escreve certo por linhas tortas- o que realiza com desconcertante freqüência -, o Papa autentica a ordem divina e o legislador pátrio, "sob a proteção de Deus", obedece, os cidadãos (crédulos ou não) devem abdicar de sua autonomia e acomodar seus planos de vida aos inescrutáveis desígnios do Vastíssimo, sem atribuir sua inconsistência à Igreja ou aos "representantes do povo brasileiro". A Igreja (sempre tão mansa como uma paloma mas prudentíssima como uma serpente), manipulando, condicionando e limitando as instituições do Estado, é uma poderosa e implacável transmissora de "valores eternos e absolutos", ainda que, depois de tudo, não resulte difícil reconhecer que há poucas coisas mais perigosas que a "verdade" e a infalibilidade católica endogâmica.
Textos relacionados

La posibilidad jurídica del matrimonio entre personas del mismo sexo en el Perú
El sometimiento a la prueba de ADN. ¿Es exigible a los herederos del supuesto padre en el Perú?
A responsabilidade estatal pelo reconhecimento e regulação das uniões e do casamento homoafetivo. O atendimento aos mandamentos constitucionais
Casamento: deveres x afeto
Famílias paralelas

Afinal, os valores eternos e absolutos, mesmo inspirados pelo divino Redentor, não se mostram nem tão absolutos, nem por vezes tão eternos como parecem. A consideração de "ser humano", de "dignidade humana", foi cambiando ao longo da história, inclusive por parte da própria Igreja. Por exemplo, seria coisa de recordar algumas encíclicas como aquela na qual o papa Paulo III, referindo-se aos protestantes, assegurava que "enforcarei, matarei de fome, ferverei, esfolarei, estrangularei e enterrarei vivos a esses hereges infames; desgarrarei os estômagos e os úteros de suas mulheres e esmagarei as cabeças de seus filhos contra a parede".

Salvo que as mulheres e os filhos dos hereges, deixando de lado aos próprios hereges – evidentemente -, não sejam considerados seres humanos, parece que há aí um pequeno problema enquanto ao absoluto dos valores. Certo é que sucedia em 1576, mas os valores que querem ser eternos, porque atemporais, não entendem de séculos.

Poderia argumentar-se que os papas fundadores do Santo Ofício tinham suas razões para obrar como obraram, na medida em que os valores não são nem tão eternos nem tão absolutos como para rechaçar suas características mais peculiares e idiossincrásicas. Opôr-se a Galileu era até razoável em 1633, quando se lhe obrigou a enunciar sua cérebre retratação. Mas não o é hoje, nem ninguém na Igreja católica, de que nós tenhamos notícia, pretende fazê-lo. Sucede que desde 1633 até hoje já se passaram quase quatro séculos. Talvez, dentro de quatro mais, a Igreja católica brasileira de hoje – se é que existirá um Brasil pós-república "tiririlma", porque os sacerdodes seguro que sim – entenda que a união homoafetiva não somente é admissível senão de todo desejável; e volte a pedir o sempre cínico e tardio perdão à intolerância e aos equívocos cometidos.

O maior problema é que dizer o que estamos dizendo resulta inútil se se crê que os valores implicados são eternos e absolutos. De fato, o mais inútil de tudo é propor a discussão acerca do casamento (e da adoção) homoafetivo tendo em conta o que a Igreja católica possa opinar. Quando algo carece de solução, tão pouco é um problema no qual se deva entretener-se. Nesses casos - parafraseando a Saramago -, a ignorância manifesta um de seus mais graves e perversos inconvenientes: quando se junta com a estupidez, não tem remédio.

Deixemos, pois, de lado as discussões inúteis. E em que pese sigam imperando entre as altas instâncias da hierarquia dominante brasileira os esquemas que relacionam de maneira estreita a natureza civil do matrimônio a uma determinada ideologia religiosa, o melhor e mais prudente será, a partir de agora, centrar-nos diretamente nas razões éticas, políticas, jurídicas e sociais do "problema" e reservarmos a questão dogmática para os assuntos próprios do dogma: como se há bases teológicas e litúrgicas para crer que as almas dos embirões "assassinados"- a exemplo do que ocorre com as almas das crianças mortas sem batizar- vão diretamente ao paraíso; se há algum mandado divino que envie diretamente ao inferno e sem escala os sacedortes que abusam de menores inocentes – assim como de seus dissimulados protetores eclesiásticos; ou até mesmo a oportunidade de devolver às mulheres a alma. Porque quanto a esta última não recordamos quando, nem por parte de quem, mas sim que nos parece que lhes foi negada por razões teológicas.

Restituamos aos homossexuais sua condição completa de ser humano, reconhecendo direitos e garantias que até agora lhes têm sido negados, direitos que assegurem (de forma inviolável, autônoma e digna) a capacidade à esse coletivo humano concreto de plena e livre realização pessoal e familiar, isto é, de pôr, no que se refere aos seus legítimos interesses, os direitos humanos e fundamentais ao efetivo serviço da não discriminação, da liberdade como não interferência arbitrária e da igualdade material, como princípios básicos que asseguram a invariante axiológica do respeito incondicional da dignidade da pessoa humana.

Ademais, qualquer devoto que insista na defesa de que o Estado deve assumir uma política que possa implicar no desprezo da tolerância ou no desconhecimento do pleno, inalienável e incondicional direito dos indivíduos a assumir por si mesmos crenças, preferências e valores diferentes, é um perigo para o exercício pleno da liberdade e autonomia cidadã. Quando uma determinada ideologia religiosa transpõe a esfera do privado e do pessoal e converte-se, com o beneplácito do Estado e como manancial de graça santificante, em norma obrigatória para todos os cidadãos, está servida a mesa para a incompreensão, o fanatismo, a submissão e a intromissão arbitrária e despótica em nossa individualidade.

Já é hora de que o Estado brasileiro, agora sob o inédito (e "maternal") comando de um primata do sexo feminino, deixe que a realidade volte a ser um espaço livre de religiões, de não impor a ninguém as proibições opressivas que dimanam dos valores alheios, ferinamente coloridos com a idéia de que determinadas condutas são contrárias aos "fins da humanidade" ou ao "projeto sexual do Criador", e/ou com a promessa, moralmente repugnante, de salvação eterna. Ainda que somente seja por respeito aos valores absolutos ou por puro "instinto materno".
Notas

01 Nesta linha se movem os argumentos mediante os que se condenava ( e segue condenado por um setor amplo da sociedade) as práticas homossexuais desde pensamentos com posições divergentes como os de Tomás de Aquino e o de Kant, mas ambos de uma influência decisiva na elaboração e transmissão ideológica dos valores e pautas morais sociais dominantes. Por exemplo, Tomás de Aquino, quem concluía que a homossexualidade é antinatural por ir contra a lei eterna que definiu nossa biologia e sua função procriadora como única finalidade da atividade sexual. E ainda com base neste fundamento, apenas alterado, se segue mantendo a condena por parte da Igreja católica, cuja influência social resulta inegável. Para kant, em câmbio, já não é a lei eterna, senão nossa própria natureza humana a que converte as práticas homossexuais no mais nefando dos vícios, em um dos mais imorais, inclusive pior que o suicídio, até o extremo de que o melhor seria nem falar dele; e se se decide a fazê-lo é porque ao constituir uma das maiores violações do "imperativo categórico" há que prevenir à gente sobre esta maldade. E para queles que gostam de citar Kant neste tema, recorda-se que o mesmo se pronuncia nestes termos: "Um segundo crime "carnis contra naturam" é o ato sexual entre "sexus homogenii" no qual o objeto do impulso sexual é um ser humano, mas há homogeneidade em vez de heterogeneidade de sexos, como quando uma mulher satisfaz seu desejo com uma mulher, ou um homem com um homem. Esta prática também é contrária aos fins da humanidade, porque o fim desta em relação com a sexualidade é preservar a espécie sem degradar às pessoas, mas neste caso, nao se está preservando a espécie (como ocorria com um crime "carnis secundum naturam"), senão que se despreza à pessoa, se rebaixa ao ser até o nível dos animais e se desonra à humanidade".



Atahualpa Fernandez
Atahualpa Fernandez

advogado, procurador do Trabalho (aposentado), pós-doutor em Teoria Social, Ética e Economia pela Universidade Pompeu Fabra (Espanha), doutor em Filosofia Jurídica, Moral e Política pela Universidade de Barcelona (Espanha), mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas pela Universidade de Coimbra (Portugal), bolsista (research scholar) do Center for Evolutionary Psychology da Universidade da Califórnia (EUA), bolsista (research scholar) da Faculdade de Direito da CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel (Alemanha), bolsista (research scholar) em Antropologia e Evolução Humana do Laboratório de Sistemática Humana da Universidade das Ilhas Baleares (Espanha), especialista em Direito Público pela UFPA, professor Titular da Unama/PA e Cesupa/PA, professor colaborador honorífico da Universidade das Ilhas Baleares (Espanha)
Veja todos os artigos publicados pelo autorFale com o autor
Manuella Maria Fernandez
Manuella Maria Fernandez

Doutoranda em Direito Público (Ciências Criminais)/ Universitat de les Illes Balears-UIB; Doutoranda em Humanidades y Ciencias Sociales( Evolución y Cognición Humana)/ Universitat de les Illes Balears-UIB ; Mestre em Evolución y Cognición Humana/ Universitat de les Illes Balears-UIB; Research Scholar, Fachbereich Rechtswissenschaft /Institut für Kriminalwissenschaften und Rechtsphilosophie, Johann Wolfgang Goethe-Universität, Frankfurt am Main/ Deutschland; Research Scholar do Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos /UIB.
Veja todos os artigos publicados pela autora

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

FERNANDEZ, Atahualpa; FERNANDEZ, Manuella Maria. União homoafetiva: a Igreja Católica e a República "tiririlma". Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2763, 24 jan. 2011. Disponível em: . Acesso em: 25 jan. 2011.

Assuntos relacionados: União homossexual | Direito de Família