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"O conhecimento é função do intelecto, ao passo que a sabedoria é função do ser"































































































































































































segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Deferida liminar a juiz afastado por criticar Lei Maria da Penha

23/02/2011 - 17:45 | Fonte: STF
O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu medida cautelar em Mandado de Segurança (MS 30320) para suspender ato do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que afastou por dois anos o juiz Edilson Rodrigues. O afastamento foi determinado em procedimento administrativo disciplinar em que o juiz era citado por ter feito considerações contrárias à Lei Maria da Penha e às mulheres. Para o ministro, a providência de afastar o juiz foi inadequada “porque as considerações tecidas o foram de forma abstrata, sem individualizar-se este ou aquele cidadão”.
"É possível que não se concorde com premissas da decisão proferida, com enfoques na seara das ideias, mas isso não se resolve afastando o magistrado dos predicados próprios à atuação como ocorre com a disponibilidade", afirmou.
O “excesso de linguagem” foi apontado em sentença prolatada em 2007 em processo que envolvia violência contra a mulher, quando o juiz era titular da 1ª Vara Criminal e Juizado da Infância e Juventude de Sete Lagoas (MG). Em junho daquele ano, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais formalizou representação junto à Corregedoria do Tribunal de Justiça estadual e ao CNJ, solicitando providências quanto às “declarações de cunho preconceituoso e discriminatório”.
A representação foi arquivada pela Corregedoria do TJ-MG, mas, no CNJ, converteu-se em procedimento de controle disciplinar que resultou na imposição da pena de disponibilidade compulsória, por considerar a conduta discriminatória “análoga à do crime de racismo”. Para o ministro Marco Aurélio, “entre o excesso de linguagem e a postura que vise inibi-lo, há de ficar-se com o primeiro, pois existem meios adequados à correção, inclusive, se necessário, mediante a riscadura – artigo 15 do Código de Processo Civil”.
Em seu despacho, o ministro observa que o autor de atos contra a honra de terceiros responde civil e penalmente, conforme previsto no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal. “Agora, se o entendimento for o de que o juiz já não detém condições intelectuais e psicológicas para continuar na atividade judicante, a solução, sempre a pressupor laudo técnico, é outra que não a punição”, afirma. No caso, a manifestação do juiz é, para o relator, “concepção individual que, não merecendo endosso, longe fica de gerar punição”.
O despacho do ministro Marco Aurélio suspende a eficácia da decisão do CNJ até o julgamento final do Mandado de Segurança, e garante ao juiz o retorno, caso afastado, à titularidade do Juízo no qual atuava.

União homoafetiva: julgamento é interrompido com quatro votos favoráveis e dois contrários

A ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), votou pela possibilidade de reconhecimento da união estável homossexual, no que foi seguida por outros três ministros.

O julgamento, que ocorre na Segunda Seção do STJ, foi interrompido por pedido de vista do ministro Raul Araújo. Dois votos foram contrários à possibilidade do reconhecimento. Falta votar quatro ministros para a conclusão do julgamento, mas o presidente da Seção só julga em caso de empate. Não há data prevista para que o julgamento seja retomado.

Para a relatora, as uniões de pessoas de mesmo sexo se baseiam nos mesmos princípios sociais e afetivos das relações heterossexuais. Negar tutela jurídica à família constituída com base nesses mesmos fundamentos seria uma violação da dignidade da pessoa humana. O posicionamento foi seguido pelos ministros João Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão e Aldir Passarinho Junior.

Segundo a relatora, as famílias pós-modernas adotam diversas formas além da tradicional, fundada no casamento e formada pelos genitores e prole, ou da monoparental, inclusive a união entre parceiros de sexo diverso que optam por não ter filhos. "Todas elas, caracterizadas pela ligação afetiva entre seus componentes, fazem jus ao status de família, como entidade a receber a devida proteção do Estado. Todavia, acaso a modalidade seja composta por duas pessoas do mesmo sexo, instala-se a celeuma jurídica, sustentada pela heteronormatividade dominante", sustentou a ministra Nancy Andrighi.

"A ausência de previsão legal jamais pode servir de pretexto para decisões omissas, ou, ainda, calcadas em raciocínios preconceituosos, evitando, assim, que seja negado o direito à felicidade da pessoa humana", afirmou.

Segundo a ministra, "a negação aos casais homossexuais dos efeitos inerentes ao reconhecimento da união estável impossibilita a realização de dois dos objetivos fundamentais de nossa ordem jurídica, que é a erradicação da marginalização e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".

Para a relatora, enquanto a lei civil não regular as novas estruturas de convívio, o Judiciário não pode ignorar os que batem às suas portas. A tutela jurisdicional deve ser prestada com base nas leis vigentes e nos parâmetros humanitários "que norteiam não só o direito constitucional brasileiro, mas a maioria dos ordenamentos jurídicos existentes no mundo".

"Especificamente quanto ao tema em foco, a busca de uma solução jurídica deve primar pelo extermínio da histórica supressão de direitos fundamentais – sob a batuta cacofônica do preconceito – a que submetidas as pessoas envolvidas em lides desse jaez", afirmou.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, o STJ admite que se aplique a analogia para estender direitos não expressamente previstos aos parceiros homoafetivos. Nessa linha, as uniões de pessoas do mesmo sexo poderiam ser reconhecidas, desde que presentes afetividade, estabilidade e ostensividade, mesmos requisitos das relações heterossexuais. Negar proteção a tais relações deixaria desprotegidos também os filhos adotivos ou obtidos por meio de reprodução assistida oriundos dessas relações, destacou a ministra.

O ministro João Otávio de Noronha, que acompanhou a relatora, afirmou não haver nenhuma proibição expressa às relações familiares homossexuais, o que garante sua proteção jurídica. Noronha destacou que os tribunais brasileiros sempre estiveram na vanguarda internacional em temas de Direito de Família, além do Legislativo. Ele citou como exemplo o reconhecimento dos direitos de "concubinas" em relacionamentos com "desquitados". Para o ministro, a previsão constitucional de família como união entre "um homem e uma mulher" é uma proteção adicional, não uma vedação a outras formas de vínculo afetivo.

"É preciso dar forma à sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos prevista no preâmbulo da Constituição", afirmou o ministro. Segundo o ele, não importa a causa – social, psicológica ou biológica, por exemplo – do afeto homossexual. "Ele é uma realidade: as pessoas não querem ser sós. O vínculo familiar homoafetivo não é ilícito, então qual o modelo que deve ser adotado para regular direitos dele decorrentes? A união estável é a melhor solução, diante da omissão legislativa", concluiu.

Divergência

O ministro Sidnei Beneti e o desembargador convocado Vasco Della Giustina, que divergiram da relatora, afirmaram a impossibilidade de uma interpretação infraconstitucional ir contra dispositivo expresso da Constituição. Assim, a discussão sobre o tema ficaria a cargo do Legislativo e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Para eles, a união homoafetiva só poderia gerar efeitos sob as regras da sociedade de fato, que exige a demonstração de esforço proporcional para a partilha do patrimônio. Tal posicionamento é o que vem sendo adotado pelo STJ desde 1998, e poderá ser revisto caso a maioria dos ministros acompanhe a relatora.

Histórico

O caso trata do fim de um relacionamento homossexual de mais de dez anos. Com o término da relação, um dos parceiros buscou na Justiça o reconhecimento de seu suposto direito a parte do patrimônio construído durante a vigência da união, mesmo que os bens tivessem sempre sido registrados em nome do ex-companheiro. Segundo alega o autor, ele desempenhava atividades domésticas, enquanto o parceiro mantinha atuação profissional.

A Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu a união estável e determinou a partilha dos bens segundo as regras do Direito de Família. Para o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), "a união homoafetiva é fato social que se perpetua no tempo, não se podendo admitir a exclusão do abrigamento legal, impondo prevalecer a relação de afeto exteriorizada ao efeito de efetiva constituição de família, sob pena de afronta ao direito pessoal individual à vida, com violação dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana".

"Diante da prova contida nos autos, mantém-se o reconhecimento proferido na sentença da união estável entre as partes, já que entre os litigantes existiu por mais de dez anos forte relação de afeto com sentimentos e envolvimentos emocionais, numa convivência more uxoria, pública e notória, com comunhão de vida e mútua assistência econômica, sendo a partilha dos bens mera consequência", concluiu a decisão do TJRS.

O parceiro obrigado a dividir seus bens alega, no STJ, que a decisão da Justiça gaúcha viola artigos dos códigos civis de 1916 e 2002, além da Lei n. 9.278/1996. Esses artigos se referem, todos, de algum modo, à união estável como união entre um homem e uma mulher, ou às regras da sociedade de fato.

O pedido é para que seja declarada a incompetência da Vara de Família para o caso e para que apenas os bens adquiridos na constância da união sejam partilhados, conforme demonstrada a contribuição efetiva de cada parceiro.

O processo foi submetido à Seção em razão da relevância do tema, por decisão dos ministros da Terceira Turma. Quando se adota esse procedimento, de "afetar" o processo ao colegiado maior, a intenção dos ministros é uniformizar de forma mais rápida o entendimento das Turmas ou, até mesmo, rever uma jurisprudência consolidada. A Seção é composta pelos dez ministros responsáveis pelos julgamentos de casos relativos a Direito de Família, reunindo a Terceira e a Quarta Turma do Tribunal.

Foto - Ministra Nancy Andrighi, relatora, favorável à união estável homoafetiva; ministro Sidnei Beneti, que divergiu; e ministro Raul Araújo, que pediu vista do processo.


Fonte: Superior Tribunal de Justiça

Conversão de medida restritiva em pena privativa de liberdade exige audição de condenado

A conversão de medida restritiva de direitos em pena privativa de liberdade só pode ocorrer depois de ouvido o condenado. Na oportunidade, o apenado poderá justificar as razões do descumprimento da medida, em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa. A decisão é da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No caso, o condenado prestava serviços em uma associação, mas devido a uma reestruturação da instituição deveria ter comparecido ao Departamento de Penas Alternativas (DPA) para informar-se sobre o novo local de cumprimento da medida. Ele foi comunicado, mas alega que se esqueceu do horário e, quando se dirigiu ao DPA, soube que os autos do processo já haviam sido encaminhados à vara de origem.

Em seguida, houve expedição de mandado de prisão. Segundo a defesa, o apenado não foi intimado ao DPA ou à vara para se justificar, nem teria tentado frustrar a aplicação da pena. Além disso, estaria sofrendo constrangimento por estar impedido de comparecer às audiências para atuar profissionalmente como advogado, em razão da ordem de prisão.

Para a Justiça local, não haveria necessidade de ouvir o condenado antes da conversão, já que ele teria pleno conhecimento da pena e da necessidade de cumpri-la. Mas a Sexta Turma reiterou entendimento do STJ no sentido de ser indispensável a audiência prévia.

A decisão anula a conversão, mas permite ao magistrado que aprecie novamente a questão, depois de ouvido o apenado.



Fonte: Superior Tribunal de Justiça

Conversão de medida restritiva em pena privativa de liberdade exige audição de condenado

A conversão de medida restritiva de direitos em pena privativa de liberdade só pode ocorrer depois de ouvido o condenado. Na oportunidade, o apenado poderá justificar as razões do descumprimento da medida, em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa. A decisão é da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No caso, o condenado prestava serviços em uma associação, mas devido a uma reestruturação da instituição deveria ter comparecido ao Departamento de Penas Alternativas (DPA) para informar-se sobre o novo local de cumprimento da medida. Ele foi comunicado, mas alega que se esqueceu do horário e, quando se dirigiu ao DPA, soube que os autos do processo já haviam sido encaminhados à vara de origem.

Em seguida, houve expedição de mandado de prisão. Segundo a defesa, o apenado não foi intimado ao DPA ou à vara para se justificar, nem teria tentado frustrar a aplicação da pena. Além disso, estaria sofrendo constrangimento por estar impedido de comparecer às audiências para atuar profissionalmente como advogado, em razão da ordem de prisão.

Para a Justiça local, não haveria necessidade de ouvir o condenado antes da conversão, já que ele teria pleno conhecimento da pena e da necessidade de cumpri-la. Mas a Sexta Turma reiterou entendimento do STJ no sentido de ser indispensável a audiência prévia.

A decisão anula a conversão, mas permite ao magistrado que aprecie novamente a questão, depois de ouvido o apenado.



Fonte: Superior Tribunal de Justiça

Inadimplência de aluguel justifica despejo liminar mesmo em processos antigos

Resp1207161

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a concessão de antecipação de tutela em ação de despejo por inadimplência. Os ministros aplicaram a Lei n. 12.112/2009, mesmo tendo sido editada após o início da ação. A lei altera e aperfeiçoa as regras e procedimentos da Lei n. 8.245/1991, a chamada Lei do Inquilinato.

A finalidade da Lei n. 12.112/09, que entrou em vigor em 24 de janeiro de 2010, é garantir ao locador mecanismos para preservação de seus direitos. Uma das alterações mais relevantes diz respeito à facilitação do procedimento das ações de despejo, como a ampliação do rol de hipóteses em que é admitido o despejo liminar no prazo de 15 dias.

O caso julgado pela Quarta Turma tratou da possibilidade de concessão de antecipação de tutela em ação de despejo por falta de pagamento – uma situação não prevista no texto original do artigo 59 da Lei do Inquilinato.

O ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso da Araújo Irmãos Ltda., empresa de pequeno porte que foi despejada, ressaltou que a antecipação de tutela, nesse caso, foi concedida com base no artigo 273, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil (CPC). Segundo ele, os requisitos desse artigo não foram cumpridos, o que justificaria a devolução dos autos para novo julgamento.

Contudo, no curso do processo entrou em vigor a Lei n. 12.112/09, que acrescentou o inadimplemento de aluguéis como fundamento para concessão da liminar em despejo – exatamente a hipótese do caso analisado. Essa lei acrescentou o inciso IX ao parágrafo 1º do artigo 59 da Lei n. 8.245/91. “Tratando-se de norma inserida na Lei do Inquilinato, deve esta ter aplicação imediata, inclusive em processos em curso”, entende Salomão.

O relator afirmou que, mesmo que o acórdão que concedeu a liminar fosse cassado por falta de fundamentação adequada, o tribunal estadual poderia acionar o novo dispositivo para conceder a liminar. Mas é preciso que seja prestada caução no valor equivalente a três meses de aluguel, providência que foi determinada pelo próprio STJ.

A concessão de liminar para despejo de locatário de imóvel urbano já contava com jurisprudência sedimentada nas Turmas da Terceira Seção do STJ. Especializadas em Direito Penal, a Quinta e Sexta Turmas também tratavam de locação predial urbana. Contudo, a Emenda Regimental n. 11/2010 atribuiu o tema às Turmas da Segunda Seção, especializadas em Direito Privado.

Não é possível a existência de duas uniões estáveis paralelas

Em decisão unânime, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou não ser possível a existência de duas uniões estáveis paralelas. Para os ministros do colegiado, a não admissibilidade acontece porque a lei exige como um dos requisitos fundamentais para o reconhecimento da união estável o dever de fidelidade, incentivando, no mais, a conversão da união em casamento.

O caso em questão envolve um funcionário público aposentado e duas mulheres com as quais manteve relacionamento até a sua morte, em 2000. O julgamento estava interrompido devido ao pedido de vista do ministro Raul Araújo. Na sessão desta terça-feira (22), o ministro acompanhou o entendimento do relator, ministro Luis Felipe Salomão, que não reconheceu as uniões estáveis sob o argumento da exclusividade do relacionamento sério.

Em seu voto-vista, o ministro Raul Araújo destacou que, ausente a fidelidade, conferir direitos próprios de um instituto a uma espécie de relacionamento que o legislador não regulou não só contraria frontalmente a lei, como parece ultrapassar a competência confiada e atribuída ao Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito.

Entretanto, o ministro afirmou que não significa negar que essas espécies de relacionamento se multiplicam na sociedade atual, nem lhes deixar completamente sem amparo. "Porém", assinalou o ministro Raul Araújo, "isso deve ser feito dentro dos limites da legalidade, como por exemplo reconhecer a existência de uma sociedade de fato, determinando a partilha dos bens deixados pelo falecido, desde que demonstrado, em processo específico, o esforço comum em adquiri-los".

O relator já tinha apontado, em seu voto, que o ordenamento jurídico brasileiro apenas reconhece as várias qualidades de uniões no que concerne às diversas formas de família, mas não do ponto de vista quantitativo, do número de uniões. O ministro Salomão esclareceu, ainda, que não é somente emprestando ao direito "velho" uma roupagem de "moderno" que tal valor social estará protegido, senão mediante reformas legislativas. Ressaltou não vislumbrar, ao menos ainda, haver tutela jurídica de relações afetivas múltiplas.

Entenda o caso

Segundo os autos, o falecido não se casou, mantendo apenas uniões estáveis com duas mulheres até sua morte. Uma das mulheres ajuizou ação declaratória de reconhecimento de união estável e chegou a receber seguro de vida pela morte do companheiro. Ela teria convivido com ele de 1990 até a data de seu falecimento.

Ocorre que a outra mulher também ingressou na Justiça pedindo não só o reconhecimento da união estável, como também o ressarcimento de danos materiais e extrapatrimoniais devidos pelos herdeiros. De acordo com o processo, ela conheceu o falecido em agosto de 1991, e em meados de 1996 teria surgido o desejo de convivência na mesma residência, com a intenção de constituir família.

A 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Porto Alegre (RS) negou tanto o reconhecimento da união estável quanto os ressarcimentos de danos materiais e extrapatrimoniais. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) reformou a sentença, reconhecendo as uniões estáveis paralelas e determinando que a pensão por morte recebida pela mulher que primeiro ingressou na Justiça fosse dividida com a outra companheira do falecido.

No STJ, o recurso é da mulher que primeiro ingressou com a ação declaratória de união estável e que se viu obrigada pela decisão do TJRS a dividir a pensão com a outra. Ela alega ter iniciado primeiro a convivência com o falecido. Diz que o Código Civil não permite o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas. O recurso especial no STJ discute, portanto, a validade, no mundo jurídico, das uniões estáveis e a possibilidade de percepção, por ambas as famílias, de algum direito.


Fonte: Superior Tribunal de Justiça

Decisão criminal que nega autoria ou fato impede ações cíveis e administrativas

A independência das esferas civil, administrativa e penal é limitada em caso de sentença criminal absolutória que negue a existência material do fato ou a autoria do ato. A decisão, da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), impede o seguimento de ação por improbidade administrativa que teria sido praticada por diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2000.

Em razão de supostos vícios em processo seletivo para o cargo de professor assistente, o então diretor foi submetido a ação civil por improbidade e a ação penal por prevaricação. O juízo criminal absolveu o réu, declarando que, ao contrário do afirmado, ele tomou todas as diligências possíveis para fazer cumprir decisão da Justiça Federal em mandado de segurança que questionou a seleção.

Segundo a sentença, o diretor encaminhou a documentação relativa às ordens judiciais ao procurador-geral da UFRJ no mesmo dia em que tomou posse, e as providências foram tomadas em seguida. Apenas uma determinação não teria sido cumprida, mas isso porque a Imprensa Oficial se recusou a publicar a "tabela valorativa de títulos" no Diário Oficial da União, considerada pelo órgão norma interna da UFRJ.

Para o Ministério Público Federal (MPF), porém, a sentença absolutória não teria alcançado todos os atos narrados na acusação, como a suposta frustração à licitude da nova prova de títulos, a convalidação da banca examinadora anterior e a nomeação de autoridade supostamente suspeita para a condução do caso.

Mas, para o ministro Arnaldo Esteves Lima, não foi o que ocorreu. Segundo ele, todo o conjunto de atos praticados foi levado a conhecimento do Judiciário na esfera criminal, que lhes negou a existência. Por isso, não poderia o mesmo Judiciário decidir de forma diversa na esfera civil, em processo por improbidade.

O entendimento se baseia tanto no artigo 935 do Código Civil ("A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal") quanto no artigo 66 do Código de Processo Penal ("Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato"), e confirma a decisão da Justiça local na ação por improbidade.


Fonte: Superior Tribunal de Justiça

Bancos privados vão desafiar a Caixa em crédito imobiliário

Brasil Econômico, Ana Paula Ribeiro, 23/fev
Instituição pública, que já era líder do segmento, aumentou participação no financiamento no ano passado

O aprimoramento dos processos internos e a redução dos prazos para a liberação dos recursos são as armas das instituições privadas para tentar tirar mercado da Caixa Econômica Federal no financiamento imobiliário. Em 2010, o banco público elevou para 76,05% a sua fatia no crédito imobiliário, ante 74,9% do ano anterior.

Esse crédito possui margens financeiras inferiores ao de outras modalidades. No entanto, é interessante aos bancos porque possibilita a fidelização do cliente durante o prazo do contrato, que pode chegar a 30 anos. O mutuário, além do financiamento para compra do imóvel, tende a adquirir outros produtos e serviços, como seguro residencial e crédito pessoal.

Além da importância comercial, o presidente da Associação Brasileira das Entidades de CrédiPronto! Imobiliário e Poupança (Abecip), Luiz França, lembra que uma maior pulverização nessa modalidade de financiamento é importante para o desenvolvimento do setor. "Um mercado irrigado e com grande número de agentes é bom para a população, Todo mundo está trabalhando para elevar a participação", diz.

Elevar essa participação significa ser mais agressivo nas concessões das linhas de crédito com recursos da caderneta de poupança, principal fonte de financiamento do setor e que possibilita margens maiores. A outra fonte é o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), mas esses recursos são limitados às famílias com renda de até R$ 4,9 mil mensais, valor abaixo do que alguns bancos querem atingir.

Objetivos

O Banco do Brasil é novato neste mercado, entrou em 2008, e espera estar entre os três principais fomentadores do crédito imobiliário até 2014. Neste ano, o objetivo é dobrar a carteira de financiamento para a compra da casa própria para R$ 6,8 bilhões. Para conseguir isso, o banco aposta nas parcerias com grandes construtoras.

O vice-presidente da instituição, Paulo Rogério Caffarelli, explica que o mercado em geral possui 60% da carteira destinada a pessoa física e 40% para construtoras. "Hoje temos só 15% de pessoas jurídicas, mas achamos que o ideal é chegar a 60%", diz.

Além de parcerias com grandes construtoras, os bancos também tentam se aproximar dos clientes ainda no momento da procura pelo imóvel. Foi essa razão que motivou o Itaú a fechar parceria com a Lopes e criar a CrediPronto!. Em outubro do ano passado, o HSBC fechou acordo com a empresa de intermediação imobiliária Brasil Brokers.

Outro passo é dar maior agilidade à liberação de recursos. Para isso, a CrediPronto!, por exemplo, implementa um processo de digitalização de documentos. Hoje, o consultor, mesmo que fora de São Paulo, precisa enviar a documentação do pretendente ao crédito para a área de análise, o que pode demorar alguns dias. Esse processo , será feito de forma digital. A implementação será gradual, a partir do interior paulista. "A velocidade na liberação do financiamento é importante porque nosso cliente enxerga isso como um atendimento diferenciado", diz Bruno Gama, diretor da CrediPronto!.

Atraso em voo motiva indenização

A juíza da 22ª Vara Cível de Belo Horizonte, Fabiana da Cunha Pasqua, condenou a TAM Linhas Aéreas a indenizar uma passageira em R$ 8 mil por danos morais. Sobre esse valor devem incidir juros e correção monetária.

A autora afirmou que, em setembro de 2008, teve que viajar a trabalho para Valência, na Espanha. Ela disse que o voo da TAM que a levou de Belo Horizonte a São Paulo atrasou significativamente, o que a impossibilitou de embarcar em conexão para a Espanha e cumprir seu compromisso profissional. A passageira afirmou que o descumprimento de contrato pela empresa aérea causou a ela transtornos profissionais e morais. Assim, pediu indenização por danos morais em quantia a ser fixada pelo juízo.

A TAM contestou alegando que os acontecimentos não podem ser imputados à empresa, pois ocorreu um imprevisto. Disse que o atraso de três horas foi devido à necessidade de troca de aeronave por razões técnicas, tendo em vista o dever da companhia de oferecer qualidade e segurança na prestação de serviços. Argumentou ainda que a passageira não comprovou qualquer fato que justificasse a indenização por dano moral. Diante do exposto, pediu pela improcedência dos pedidos.

Para a juíza, o atraso de três horas no voo da TAM é indiscutível e ocorreu devido à necessidade de manutenção da aeronave, o que justificou a sua substituição, conforme provas documentais do processo. A magistrada entendeu que tal manutenção, normalmente, não pode ser considerada imprevisto, caso fortuito ou de força maior. “Sendo necessária manutenção não programada, a empresa aérea deve substituir a aeronave em tempo hábil, de forma a não prejudicar os consumidores. Embora seja dever das empresas aéreas garantir a segurança dos seus passageiros, elas devem também assegurar o cumprimento do contrato.”

A juíza, com base em decisões de instâncias superiores, considerou que a TAM é culpada pelos transtornos causados à passageira, o que justifica o pedido de indenização por dano moral. Ao fixar o valor em R$ 8 mil, Fabiana Pasqua levou em conta a necessidade de punir a empresa sem causar enriquecimento indevido da autora.

Essa decisão, por ser de 1ª Instância, está sujeita a recurso.

Assessoria de Comunicação Institucional - Ascom
Fórum Lafayette
(31) 3330-2123
ascomfor@tjmg.jus.br

130 mil segurados terão aumento em benefício, afirma INSS

O presidente do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), Mauro Hauschild, informou nesta terça-feira que 130 mil segurados vão receber a diferença paga a menos nos seus benefícios nos últimos anos.

A decisão, tomada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), manda pagar adicional devido desde 1998 a segurados que se sentiram prejudicados pelo cálculo da aposentadoria em relação ao teto fixado no ano em que tiveram o benefício concedido.

Serão beneficiados os segurados que contribuíram para o INSS pelo valor máximo, mas tiveram uma redução sobre a média salarial --porque o valor ultrapassou o teto-- e não tiveram a diferença incorporada nos reajustes concedidos em 1998 e 2003 além da inflação do período, como aconteceu nos outros anos, devido às emendas 20/1998 e 41/2003.

Hauschild prevê que, até a próxima semana, deverá chegar ao INSS a regulamentação para o pagamento, que está sendo estudada pela AGU (Advocacia-Geral da União). Depois de serem fixados os parâmetros para o pagamento, o presidente do INSS vai levar os cálculos ao ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves, para discussão com a área econômica do governo.

Como ainda falta essa definição, Hauschild disse não ter a informação se a diferença a que os aposentados têm direito será depositada em suas contas à vista ou mediante parcelamento. "Vamos, ao receber o estudo da AGU, submeter ao ministro, para analisar os impactos", disse.

Uma primeira estimativa, depois da decisão do STF, dava conta de que 1 milhão de segurados teriam direito a receber a diferença, mas, de acordo com Hauschild, o número correto é de 130 mil pessoas.

Emissão de boleto bancário não pode ser cobrada

por Roberta Scrivano
Regra existe desde 2009; Procon auxilia consumidores a ter o dinheiro de volta ou para ter isenção do custo

SÃO PAULO - Os bancos, escolas, lojas e outros prestadores de serviços (como TV a cabo e telefonia) não podem cobrar pela emissão de boletos de pagamento. Os consumidores que encontrarem essa taxa em seus boletos podem recorrer ao Procon e, em poucos dias, ter o reembolso dos custos que já foram pagos e a isenção dos próximos. Renata Reis, supervisora da área de assuntos financeiros do Procon-SP, explica que o custo da emissão do boleto já está embutido no produto. "Portanto, é como se o consumidor estivesse pagando duas vezes pela mesma coisa. Isso fere o Código de Defesa do Consumidor", detalha.

Ela diz que, antes de procurar o Procon, o consumidor deve tentar explicar ao estabelecimento que a cobrança do boleto é indevida. "Se não isentarem o custo, deve-se procurar o Procon", comenta. Segundo ela, com o contato direto com a prestadora de serviço, o reembolso ou a isenção da taxa é feita em 48 horas.

O contato com o órgão de defesa do consumidor pode ser feito pessoalmente em uma das unidades do Procon ou por meio de carta. Nas duas alternativas, o consumidor deve ter todos os comprovantes de pagamento em que constam cobrança do boleto.

As unidades para ser atendido pessoalmente são no Poupatempo Sé (Pça. Do Carmo, s/n), Poupatempo Santo Amaro (Rua Amador Bueno, 176/258) e Poupatempo Itaquera (Av. do Contorno, 60 - ao lado da Estação Itaquera do Metrô).

Os que preferirem o contato por carta devem escrever para a caixa postal 3050 e CEP 01061-970, São Paulo. Renata diz que é possível solicitar a devolução do dinheiro de emissões de boletos pagos até 2008.

Lucas Cabatte, advogado do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), comenta que, hoje em dia, é difícil que um banco cobre pela emissão do boleto. "A regulamentação é do Banco Central", lembra. Renata endossa a afirmação do advogado e diz que o volume de reclamações desse tipo relacionadas às instituições financeiras está caindo. Cabatte lembra, portanto, que quem começou um financiamento de carro ou imobiliário antes de 2009, deve conferir as prestações para ver se consta a cobrança indevida.

Questionado se a cobrança da emissão em boletos de aluguel é indevida, Cabatte diz que não. "Porque o aluguel é pago ao proprietário do imóvel e quem emite o boleto é a imobiliária. Por isso, não é indevida", explica.

O advogado do Idec também recomenda que o consumidor não atrase o pagamento das prestações por causa da cobrança do boleto. "Daí fica mais difícil fazer a negociação. Os pagamentos devem ser feitos em dia e depois ser solicitado o reembolso", indica.

Fonte: Estadão Online - O Estado de S.Paulo - 22/02/2011

Prisão por alimentos não depende de decisão transitada em julgado

A existência de recursos pendentes de julgamento não impede a prisão por falta de pagamento de pensão alimentícia, decidiu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar pedido de habeas corpus apresentado em um caso de prisão civil ocorrido no estado de São Paulo. De acordo com o colegiado, a garantia constitucional de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” não se aplica à execução de prestações alimentares.

O relator do habeas corpus, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, disse que “a prisão civil, diferentemente da penal, possui natureza eminentemente coercitiva, e não punitiva”. Segundo ele, exigir o trânsito em julgado da decisão que determinou a prisão, para só então se poder cumpri-la, “iria de encontro à sua finalidade, qual seja, compelir o devedor ao imediato adimplemento de sua obrigação alimentar”.

A ação de execução de alimentos foi ajuizada em abril de 2001. Decretada a prisão do devedor pelo juiz, sua defesa entrou com recurso no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que manteve a decisão da primeira instância. No pedido de habeas corpus dirigido ao STJ, alegou-se que a decisão do tribunal estadual não poderia ter sido cumprida pelo juiz antes do trânsito em julgado -quando já não haveria mais possibilidade de recurso.

O habeas corpus foi negado de forma unânime pela Terceira Turma, conforme a proposta do relator. O ministro Sanseverino observou, ainda, que no processo não há prova de que tenham sido pagas as três prestações anteriores ao início da ação, nem as que venceram depois. A Súmula 309 do STJ diz que “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo.”

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Por uma nova polícia

Rio de Janeiro, 22/02/2011 - O artigo "Por uma nova polícia" é de autoria do presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, Wadih Damous, e foi publicado na edição de hoje (22) do jornal O Dia (RJ):

"A Operação Guilhotina realizada pela Polícia Federal em conjunto com a Secretaria de Segurança do Rio fez muito mais do que prender policiais civis e militares acusados de envolvimento com milícias, desvio de armas e venda de proteção a traficantes, contrabandistas e bicheiros. Desencadeou uma crise no aparelho policial do estado que a cada dia levanta mais pontas no novelo da corrupção, tão emaranhado e antigo quanto atuante na máquina pública.

Os mesmos cidadãos que aplaudiram a polícia fluminense na ocupação pacífica dos complexos da Penha e do Alemão agora se defrontam com uma realidade de lama, muita lama, como aquela que tisnava a pele dos garimpeiros ávidos pelo ouro de Serra Pelada. Em menos de três anos, é a segunda vez que cai a cúpula da Polícia Civil, apagando o brilho até de resultados positivos de sua atuação mais recente. O tiroteio de acusações continua, atingindo em cheio não só os envolvidos, mas a própria instituição.

Imposta a troca de comandos, e a delegada Martha Rocha chega bem credenciada à chefia da Polícia Civil, anunciando uma gestão calcada em metas, planejamento, resultados e lisura. Tem nossos votos de confiança e boa sorte, mas para combater o cancro dessa corrupção tão enraizada precisaria de bem mais do que isso.

O momento é oportuno para reiterarmos, consoantes com várias vozes de estudiosos da questão e simples cidadãos com bom senso, a necessidade de reforma na estrutura da instituição policial. Corregedoria independente e fortalecida, ouvidorias externas e transparência são fundamentais para a refundação da Polícia que desejamos e da qual precisamos tanto. Ou vamos continuar nessa dança das cadeiras a cada estouro de um novo escândalo."

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Dívidas e cheques devolvidos não podem mais gerar justa causa de bancário

21/02/2011 - 06:09 | Fonte: TRT3
Desde o dia 13 de dezembro de 2010, os casos de inadimplência e emissão de cheques sem fundos não podem mais servir de motivação para a dispensa por justa causa aplicada ao empregado bancário. Isso porque, nessa data, entrou em vigor a Lei 12.347, de 10/12/2010, revogando o artigo 508 da CLT, que oferecia essa possibilidade aos empregadores. A redação desse dispositivo legal era a seguinte: "Considera-se justa causa para efeito de rescisão do contrato de trabalho do empregado bancário, a falta contumaz de pagamento de dívidas legalmente exigíveis".
A alteração foi bem recebida no meio jurídico. Na prática, muitos juízes já consideravam a norma superada e afastavam a justa causa aplicada em função da existência de dívidas ou de cheques devolvidos. Para a maioria dos julgadores que atuam na Justiça do Trabalho, essa revogação chegou em boa hora, pois o tratamento diferenciado dispensado aos bancários afrontava o princípio da isonomia, por envolver punição apenas para um segmento de trabalhadores. No mais, existe o entendimento predominante de que a justa causa específica para bancários, além de ser discriminatória, poderia ter relação com fatos alheios à relação de emprego. Nesse sentido, era necessário separar a condição de consumidor da condição de empregado. Portanto, com a revogação da norma, não existe mais amparo legal para a aplicação da justa causa ao bancário endividado.
Antes da revogação do artigo 508 da CLT, a Justiça do Trabalho mineira recebia um número expressivo de ações trabalhistas versando sobre a matéria. Uma delas foi ajuizada perante a Vara do Trabalho de Bom Despacho e julgada pela juíza substituta Solange Barbosa de Castro Coura. No caso, a bancária, que estava afastada do trabalho por motivo de doença ocupacional, recebeu uma advertência e foi dispensada por justa causa pelo fato de ter emitido 17 cheques sem fundos e deixado de pagar dívidas com alguns bancos. Para justificar sua conduta, o banco empregador alegou que, apesar da advertência, a trabalhadora continuou a trilhar o caminho da inadimplência, deixando as dívidas em aberto, assim como os cheques sem provisão de fundos. Depois de analisar o conjunto de provas, a magistrada decidiu, por duas razões, afastar a justa causa aplicada pelo banco. Em primeiro lugar, porque a bancária foi punida duas vezes pelo mesmo fato, ou seja, ela foi advertida e dispensada em função do atraso no pagamento de dívidas contraídas com outros bancos. Lembrou a juíza que, no Direito do Trabalho, existe um princípio segundo o qual o empregador não pode aplicar mais de uma pena em razão de uma única falta cometida.
Em segundo lugar, entendeu a julgadora que a bancária não era devedora contumaz, isto é, ela não contraía dívidas de forma reiterada. Inclusive, na audiência, a trabalhadora apresentou um documento que registrava pedido de exclusão de seu nome do cadastro mantido pelo Banco Central, demonstrando que, além de não ter incidido em novas ocorrências, ela procurou regularizar aquelas que geraram a advertência e a justa causa. Nesse sentido, observou a magistrada que a reclamante era empregada do banco desde 1995 e, durante o período contratual, não há notícia de que ela tenha, em qualquer outra ocasião, cometido a mesma falta. Ou seja, ficou comprovado que o atraso no pagamento de dívidas e a emissão de cheque sem fundos não eram acontecimentos corriqueiros. Ao contrário, a inadimplência foi um fato isolado que ocorreu na vida da empregada e nunca mais se repetiu.
Ao finalizar, a julgadora ressaltou que não se pode deixar de considerar as circunstâncias pelas quais passou a trabalhadora: ela estava afastada do trabalho, com a saúde abalada, sofrendo dores e limitações para as atividades normais do dia a dia. Naturalmente, esse quadro resultou em gastos generalizados com especialistas e medicamentos, surgindo daí os problemas financeiros. "No particular, a situação pessoal em que se encontra a autora pode até não autorizá-la a emitir cheques sem fundos, mas justifica a dificuldade financeira alegada por ela e esvai a falta de toda e qualquer eventual leviandade enquanto empregada da instituição", completou. Assim, o banco foi condenado ao pagamento das parcelas rescisórias típicas da dispensa imotivada. O TRT de Minas confirmou a sentença.
nº 00900-2005-050-03-00-0

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Cai liminar que suspendeu Lei do Estacionamento

A Lei do Estacionamento (5.862/2011), que proíbe a cobrança por tempo mínimo em estacionamentos privados e multa por perda do tíquete, voltou a valer neste sábado (19/2) no estado do Rio de Janeiro. A 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio derrubou, na sexta-feira, liminar concedida a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) contra a lei. A entidade ainda pode recorrer. A informação é do Portal G1.
A decisão é da desembargadora Denise Levy Tredler: “Entendo salutar, na espécie, conceder efeito suspensivo ao recurso, para o fim de sustar os efeitos da decisão agravada até o final do julgamento deste agravo”, escreveu a desembargadora na sentença. A partir de segunda-feira (21/2), o Procon fará fiscalizações para verificar o cumprimento da lei em diversos shoppings do Rio.
Batalha judicial
Segundo o G1, a lei, que passou a valer no dia 6 de janeiro, gerou polêmica e, no dia seguinte da sua publicação no Diário Oficial, alguns shoppings mudaram mais de uma vez a tabela de cobrança. A liminar foi emitida há dez dias em favor da Abrasce. No entanto, a Procuradoria do Estado entrou com recurso e conseguiu suspender a medida.
A lei proíbe os estabelecimentos de cobrar por tempo mínimo de permanência no estacionamento. Dessa forma, o consumidor só paga pelo tempo que ficou com o veículo estacionado. O texto diz que, na cobrança de fração de hora, será admitido um arredondamento de até a metade de cada hora. Ou seja, caso seja 12h15, o responsável pode arredondar para 12h30. No entanto, a legislação não se aplica aos consumidores que optem por serviços de pernoite, diária ou mensalista.
De acordo com a lei, os motoristas que perderem o comprovante de estacionamentos privados não poderão mais ser multados. Além disso, os estabelecimentos são obrigados a ter o registro de entrada dos veículos. Em caso de extravio do tíquete, o consumidor será cobrado apenas pelo tempo de utilização do serviço.
A sanção prevista pelo descumprimento da norma é multa de 1.000 Unidades Fiscais de Referência (UFIRs), cerca de R$ 1.064, revertida ao Fundo especial de Apoio a Programas de Proteção e Defesa do Consumidor (Feprocon). Esse valor será cobrado em dobro no caso de reincidência do descumprimento.
Lançamento: Anuário da Justiça Rio Grande do Su

"Se o juiz cuida do futuro, torna o passado instável"

POR RODRIGO HAIDAR

No próximo dia 3 de março, quando o ministro Luiz Fux tomará posse de seu assento no Supremo Tribunal Federal, o ministro José Antonio Dias Toffoli deixará de ser o mais novo ministro da Corte — na ordem de antiguidade, porque aos 43 anos de idade é ainda o mais jovem juiz do tribunal. Em pouco mais de um ano no Supremo, Toffoli conseguiu debelar a desconfiança de setores do Judiciário e da imprensa que enxergavam sua indicação como um ato simplesmente político-partidário.
A experiência de vida do jovem ministro lhe conferiu mais qualificação do que qualquer título acadêmico. Formado há 20 anos, antes de se tornar juiz militou ativamente na advocacia e exerceu importantes postos na República. Como subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, advogado eleitoral do PT e advogado-geral da União, adquiriu a musculatura jurídica que surpreendeu positivamente a todos que atuam na Suprema Corte.
Principalmente no quesito transparência. Ao terminar seu primeiro ano completo na Corte, a equipe do ministro preparou apostila com estatísticas como produtividade, número de advogados e autoridades recebidos em audiência, quantidade de processos recebidos e o percentual de cumprimento das metas impostas pelo Conselho Nacional de Justiça.
Na cartilha, distribuída a jornalistas e advogados e publicada no site do Supremo a pedido do próprio ministro, pode-se conferir que Toffoli atendeu 430 advogados e 390 autoridades no ano passado e que tomou mais de oito mil decisões em processos. O ministro considera importante divulgar os números como uma forma de prestar contas à sociedade.
Toffoli foi criticado por setores do PT que defendiam a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010 ao decidir que a lei altera, sim, o processo eleitoral. E, por isso, deveria respeitar a carência de um ano prevista na Constituição Federal para passar a valer. Amigos que compreendem bem seu papel e caráter saíram em sua defesa: "O Toffoli agora é ministro, deixou de ser advogado do partido ou da União".
O ministro recebeu a revista Consultor Jurídico em seu gabinete no Supremo para uma entrevista, cujo objetivo era o de compor seu perfil para o Anuário da Justiça, que será lançado em março. Os principais trechos da conversa, onde Toffoli conta alguns episódios de sua carreira e revela sua visão do Direito e de mundo, o leitor poderá conferir abaixo.
Para o ministro, o tribunal tirou uma lição do impasse que se deu no mais polêmico julgamento do ano no Supremo, o da Lei da Ficha Limpa. Ele afirma que poderia haver o mesmo empate com a composição completa se um ministro se considerasse impedido para julgar a matéria: "Tal circunstância mostra a necessidade de o tribunal pensar soluções mais seguras, fixar regras mais claras para situações de empate".
Toffoli não crê que o tribunal fique com a imagem arranhada por conta dos debates acalorados cada vez mais frequentes entre os ministros. Costuma dizer que o Supremo não é um clube de amigos e que isso é bom para a transparência e equilíbrio das decisões. "Não que as pessoas não se deem bem, mas não é um clube de amigos. E é bom que não seja, porque a ideia é que a manifestação do tribunal corresponda ao somatório das visões e pré-compreensões de cada um de seus ministros. Em certa medida, as ideias vencidas contribuem para legitimar a tese vencedora", afirma.
Em matéria eleitoral, o ministro já se tornou referência e seus votos têm os olhos na realidade do país. Ao votar no julgamento que liberou as críticas de programas humorísticos em período eleitoral, sustentou que as críticas nunca estiveram vedadas. Mas revela preocupação com as eleições de 2012.
De acordo com Dias Toffoli, é necessário observar se a responsabilidade que a imprensa teve mesmo depois de as críticas estarem completamente liberadas na eleição presidencial vai se reproduzir na esfera municipal.
"Temos centenas de parlamentares que são donos de rádios e TVs. Muitos deles participam da disputa municipal, na condição de candidatos ou de apoiadores dos prefeitos em busca da reeleição. Uma coisa é a atuação no plano federal, com todos os mecanismos de controle, outra coisa é o eventual abuso restrito à pequena cidade ou na média cidade, onde há um poder maior de influência dos meios de comunicação, cujos titulares são os próprios políticos. Quem nasceu e conviveu no interior conhece bem o potencial de utilização dos serviços de radiodifusão em benefício ou em prejuízo de determinada candidatura", afirma o ministro nascido em Marília, no interior de São Paulo.
Na conversa com a ConJur, Toffoli fez uma análise sob a perspectiva histórica de algumas das principais e mais recentes decisões do STF e falou das mudanças de entendimento no Judiciário: "A jurisprudência não pode ser estática, mas também não pode ser traiçoeira. Numa caricatura da divisão dos poderes, o Executivo cuida do presente, o Legislativo do futuro e o Judiciário do passado. Judiciário que quer cuidar do futuro ou do presente acaba tornando o passado instável".
Leia a entrevista:
ConJur — O julgamento da Lei da Ficha Limpa foi, senão o mais importante, o mais polêmico do Supremo em 2010, principalmente em razão do impasse em torno da aplicação imediata da lei. O que é possível fazer para evitar isso?
Dias Toffoli — Não há dúvidas de que esse julgamento foi um momento de grande expectativa da sociedade em relação ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal, principalmente porque estávamos em ano de eleições. E foi marcante pelo inusitado da situação, porque acabou se configurando um empate de cinco a cinco. Isso pode acontecer, como de fato ocorreu, diante da ausência de um ministro. Mas poderia se dar também com a composição completa, se um ministro se considerasse impedido para julgar a matéria. Tal circunstância mostra a necessidade de o tribunal pensar soluções mais seguras, fixar regras mais claras para situações de empate.
ConJur — Uma reunião prévia, informal, não poderia ter evitado essa situação?
Toffoli — Existe a tradição de não se fazer reuniões prévias. Isso traz vantagens e desvantagens. A vantagem é que torna o julgamento mais transparente. Cada um leva o seu voto sem saber como votará o colega. É da tradição desta Suprema Corte. Por outro lado, isso gera situações como a que vimos: diante de um empate, a definição do modo como se decidirá a matéria é feita ao vivo, em cores, transmitida pela televisão. Esse aspecto é bom por revelar que, no Supremo, nada é combinado. A decisão é de cada um. E o colegiado fala em nome de todos.
ConJur — Não é um clube...
Toffoli — Não que as pessoas não se deem bem, mas não é um clube de amigos. E é bom que não seja, porque a ideia é que a manifestação do tribunal corresponda ao somatório das visões e pré-compreensões de cada um de seus ministros. Evidentemente, há problemas nessa forma de obtenção do que se poderia chamar de una vox do colegiado. A doutrina contemporânea discute qual o método mais democrático, tomando-se como parâmetros os modelos americano e europeu. Por agora, creio que é esse o nosso caminho, mas que é necessário aperfeiçoá-lo. Em certa medida, as ideias vencidas contribuem para legitimar a tese vencedora.
ConJur — O julgamento sobre o humor nas eleições foi um ponto alto?
Toffoli — Foi também relevante porque mais uma vez se analisou o tema da liberdade de imprensa. O Supremo definiu a questão com grande maturidade, levando em conta a necessidade de se garantir um pleito isonômico, sem o abuso dos meios de comunicação, e sem impedi-los de opinar, criticar, de prestar o serviço público de informar a sociedade. Houve a liberação das críticas nas televisões e nas rádios, que são concessões e, por isso, tinham as maiores limitações legais. O importante é que a imprensa também mostrou maturidade ao não passar a agir sem critérios depois do julgamento. Não se observou, desde o julgamento, uma atuação dos meios de comunicação que tenha pesado ou influenciado no resultado das eleições. Espero que isso se reproduza nas eleições municipais.
ConJur — Mas o senhor não votou contra a liberação?
Toffoli — Votei no sentido de que a crítica sempre foi permitida pela legislação impugnada. Nunca entendi vedada pela lei eleitoral as críticas nos programas de telejornais e de rádios. Meu voto teve o objetivo de alertar sobre os efeitos da decisão nas eleições municipais. Minha preocupação é se essa responsabilidade da comunicação social, que é perceptível no âmbito da eleição presidencial, vai se reproduzir na esfera municipal, na medida em que nós temos centenas de parlamentares que são donos de rádios e TVs. Muitos deles participam da disputa municipal, na condição de candidatos ou de apoiadores dos prefeitos em busca da reeleição. Uma coisa é a atuação no plano federal, com todos os mecanismos de controle, outra coisa é o eventual abuso restrito à pequena cidade ou na média cidade, onde há um poder maior de influência dos meios de comunicação, cujos titulares são os próprios políticos. Quem nasceu e conviveu no interior conhece bem o potencial de utilização dos serviços de radiodifusão em benefício ou em prejuízo de determinada candidatura. Esse julgamento serviu para que eu expusesse uma diretriz político-constitucional que tenho pouco a pouco manifestado em alguns de meus votos, especialmente em casos mais emblemáticos: é preciso compreender as peculiaridades da federação brasileira e impedir que as assimetrias entre o poder central e as forças locais condicionem a interpretação da Constituição. É nesse mister que o Tribunal a que pertenço tem condições de contribuir para a estabilidade institucional e a preservação dos direitos fundamentais.
ConJur — O senhor destaca algum outro julgamento importante?
Toffoli — Sim. Tive a oportunidade de me convencer e mudar de posição no julgamento no qual o Supremo julgou inconstitucional a vedação de o juiz converter a pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos, no caso de condenados por tráfico de drogas. Acompanhei os colegas que entenderam que a proibição feria o princípio da individualização da pena. Com os debates, persuadi-me que não se pode aceitar a prisão sob o fundamento reducionista da lei. Dito de outro modo, o confronto entre a lei e o princípio constitucional da individualização da pena fez-me ver que seria necessário emprestar ao juiz, senhor das circunstâncias do caso concreto, uma margem de conformação maior, levando-se em consideração os direitos fundamentais do réu.
ConJur — Quando isso acontece, sempre se ouvem críticas de que a jurisprudência do Judiciário, hoje, é muito flutuante. Mas a jurisprudência não pode ser estática, certo?
Toffoli — Não pode ser estática, mas também não pode ser traiçoeira. Há um caso julgado pelo TSE que exemplifica bem a diferença. Em março de 2008, o TSE editou uma resolução sobre a possibilidade de quem já ocupou dois mandatos seguidos em uma cidade, disputar um terceiro mandato pela cidade vizinha. Pela resolução, o prefeito teria de se desincompatibilizar e poderia concorrer.
ConJur — Sair seis meses antes das eleições?
Toffoli — Exato. A resolução sinalizou para um conjunto de prefeitos, que estavam em segundo mandato, que eles poderiam ser juridicamente admitidos pela Justiça Eleitoral, desde que renunciassem ao mandato. Muitos renunciaram. Depois, houve impugnação no TSE e em novembro de 2008, em um caso concreto, o TSE decidiu que essa situação de fato configurava-se uma fraude ao princípio constitucional que veda o terceiro mandato. Ocorre, porém, que o próprio Tribunal já havia autorizado essa conduta.
ConJur — Mas o que deveria ser feito?
Toffoli — O TSE poderia decidir que o ato se caracterizaria como fraude, mas aplicar a decisão aos casos posteriores. Assim entendo, porque o prefeito abriu mão de nove meses de mandato legítimo para disputar em um município vizinho, após a sinalização do TSE. A segurança jurídica não impõe uma jurisprudência petrificada, mas a mudança não pode atingir as pessoas que agiram da forma que ela própria indicou. Minhas convicções ou minha visão de mundo não podem ser colocadas acima da segurança jurídica. É uma questão de lealdade para com o jurisdicionado. Numa caricatura da divisão dos poderes, o Executivo cuida do presente, o Legislativo do futuro e o Judiciário do passado. Judiciário que quer cuidar do futuro ou do presente acaba tornando o passado instável.
ConJur — Para o recebimento de denúncia, bastam indícios de participação e a materialidade do crime ou é necessária a descrição e individualização da conduta dos acusados?
Toffoli — A conduta tem que ser descrita e tipificada pelo Ministério Público porque o fato de o cidadão responder a uma ação penal já modifica seu status social.
ConJur — O senhor considera que a ação criminal, por si só, já é uma pena?
Toffoli — Eu vou dar-lhe um exemplo. Eu era recém-formado e um médico formado pela USP, com 55 anos de idade, qualificado técnica e intelectualmente, recebeu uma citação por conta de uma dívida não quitada. O valor era pequeno e ele havia se esquecido de pagar. Bastava quitar a dívida e acabava o litígio. Ele me procurou indignado porque o ato judicial se referia a ele como réu. Ele repetia: “Como réu? Não cometi nenhum crime e vou pagar a dívida, como ele me chama de réu? O credor não me ligou, não recebi cobrança e agora virei réu? Não sou criminoso!”. O mais difícil foi explicar-lhe que não se lhe imputava crime algum. Mas, o termo réu, naquela citação, já lhe colocava em situação difícil, ao menos em sua visão do caso. Veja, estamos falando de uma pessoa esclarecida. O exemplo mostra como, para o senso comum, o fato de alguém ser réu já lhe impõe uma mácula. É dentro desse contexto que o juiz precisa analisar o recebimento de uma denúncia. Não é à toa que a lei processual penal passou a exigir recentemente que, antes do recebimento da denúncia pelo juiz, o acusado seja intimado para se defender. Por que se passou a exigir isso? Exatamente pelo sentido de desvalor que vem acompanhado do ato de recebimento da denúncia.
ConJur — É por isso que muitas denúncias no STF são consideradas ineptas?
Toffoli — Chegam ao Supremo muitas denúncias de natureza objetiva. Por exemplo, um prefeito assina determinado convênio, há um desvio e ele é denunciado apenas por ter assinado o convênio. Se há um desvio na execução do convênio, é necessário verificar quais foram os sujeitos responsáveis por aquele desvio. O fato de alguém ser imputado apenas pela ocupação de um cargo é um exemplo típico da famigerada responsabilidade objetiva, utilizada geralmente por regimes de força. Há uma teoria do Direito Penal que é a do domínio do fato. “Ah, o cidadão tinha o domínio do fato”. O Código Penal brasileiro adotou a necessidade de individualização das condutas. Por isso, eu considero não ser a teoria do domínio do fato adequada ao sistema penal e processual penal brasileiro. Preocupa-me a ideia da responsabilidade objetiva no Direito Penal.
ConJur — Ao julgar Mandado de Injunção e Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão, cabe ao Supremo apenas declarar a mora do Poder Legislativo ou deve garantir o direito reclamado?
Toffoli — Depende do caso. É necessário fazer uma análise sob a perspectiva histórica. Logo que se promulgou a Constituição, os novos institutos foram saudados porque prestigiavam a ideia da efetividade das garantias constitucionais. O Judiciário passou a ser um ator privilegiado na concretização de garantias fundamentais e dos direitos sociais. Alguns direitos foram delegados para a legislação complementar e ordinária. Na Constituinte, quando havia um impasse, o que se fazia? Garantia-se o direito, mas deixava-se sua regulamentação para a lei. O tempo passou e a lei não veio. Chegaram, então, os mandados de injunção. No início, o Supremo Tribunal Federal agiu com muita parcimônia na concessão de eficácia ao instituto, o que considero razoável, pois não se regulamenta uma Constituição em pouco tempo. É preciso ter em conta o que Konrad Hesse chama de “possibilidades de realização do conteúdo constitucional”. Mas a jurisprudência mudou de um tempo para cá e creio que isso foi positivo para a ordem constitucional.
ConJur — O marco da mudança foi o julgamento que garantiu o direito de greve de servidores públicos?
Toffoli — Sim. Uma coisa é um direito garantido na Constituição que há cinco anos não é regulamentado. Outra é uma omissão legislativa de 20 anos. Por isso, o STF decidiu que, enquanto o Congresso não regulamentar esse direito, aplica-se aos servidores públicos a mesma regra dos trabalhadores da iniciativa privada. O posicionamento do Supremo em matéria de Mandado de Injunção e de Ação Direta por Omissão tem de ser visto sob a perspectiva histórica de tolerância com a mora do Congresso no início e de intolerância hoje. Atualmente, o Mandado de Injunção é mais efetivo.
ConJur — Por quê? Por que mudou a composição da Corte?
Toffoli — Porque o tempo passou e o Congresso continua em mora. Simples assim. Quem é que pode garantir que a composição que julgou os primeiros mandados, se ainda estivesse na Corte, não decidiria como os atuais ministros? Ela tolerou lá atrás, quando a Constituição era recente. Agora, com mais de 20 anos sob a nova Constituição, talvez fosse até mais radical do que nós somos. Os mandados de injunção, portanto, nos casos concretos, têm que ser analisados dessa forma. O Congresso teve tempo de regulamentar? O tema está em discussão? O direito vem da Constituição originária ou foi uma emenda recente? Penso que é razoável ter uma perspectiva de tolerância.
ConJur — Quando o parlamentar que responde a processo no Supremo renuncia ao mandato, seu processo deve continuar no STF ou volta para as instâncias ordinárias?
Toffoli — Já votei no sentido de que continua a correr no Supremo. Em regra, o parlamentar renuncia às vésperas do julgamento e, se decidirmos que a instância é outra, muitas vezes há o risco de prescrição. Por isso sempre defendi o foro de prerrogativa por função. Muitos que consideravam esse foro como uma forma de privilégio ou de imunidade, hoje percebem que não se trata exatamente disso.
ConJur — Por que o Supremo passou a julgar e, em alguns casos, condenar parlamentares apenas recentemente?
Toffoli — Porque antes a Constituição impedia. Era necessário ter a autorização do Congresso. A Constituição mudou. Hoje a autorização não é necessária.
ConJur — Por que o senhor defende o foro por prerrogativa de função?
Toffoli — Porque o membro de um Poder será julgado pela Corte mais autônoma e independente do país. Que influência tem um parlamentar sobre o Supremo em relação a um processo de seu interesse? Nenhum. Como, aliás, de rigor, ninguém tem.
ConJur — Além da repercussão geral e da súmula vinculante, há algum outro instrumento eficaz para garantir a imperatividade das decisões do Supremo?
Toffoli — As decisões do Supremo já são bastante respeitadas. Mesmo antes de Súmula Vinculante, ou de qualquer instrumento, o Judiciário já aplicava os precedentes. Até porque os juízes, salvo exceções que confirmam a regra, têm bom senso. O efeito positivo da Súmula Vinculante, que é pouco destacado, é que ela vincula a Administração Pública, o Estado brasileiro. Então, se ele descumpre determinada decisão sumulada, o cidadão tem um remédio imediato perante o Supremo Tribunal Federal, que é a Reclamação.
ConJur — Mas esse número de reclamações não será restrito?
Toffoli — Sim, mas será restrito exatamente graças à Súmula Vinculante. A Administração Pública, por natureza, muitas vezes faz a análise do custo-benefício, principalmente na área econômica. Em alguns momentos da vida nacional, editava-se uma norma tributária de duvidosa constitucionalidade, a despeito da ciência desse fato. Se caísse na Justiça, metade da população iria conseguir reverter e a outra metade seria lucro para o Estado. Resultado: esse expediente valeu a pena em uma situação de crise. A Súmula Vinculante impede isso. A História mostra que a lógica da área tributária e econômica de qualquer governo tem diversos momentos de choque com a da área jurídica. A área econômica é pragmática, ela faz o cálculo. Mas quando se aumenta o leque de acesso ao controle direto pelo Supremo, introduz-se maior segurança jurídica no país, maior celeridade na invalidação das normas inconstitucionais. Cria-se a necessidade de o Executivo e de o Congresso criarem leis observando com mais acuidade sua constitucionalidade.
ConJur — Já houve reclamações de que, ao ter que justificar os motivos da recusa da repercussão geral, o ministro do Supremo acaba quase enfrentando o mérito do processo. Na Suprema Corte americana, os juízes escolhem os casos sem fundamentar a recusa. Esse modelo se aplica no Brasil?
Toffoli — Não. Decisão judicial tem de ser fundamentada e não cabe ao Supremo deixar de fazer. Essa é uma bela herança da tradição jurídica portuguesa, que muitos criticam, mas que deixou um legado importante para a cultura jurídica nacional. Todos os meus votos e decisões são devidamente fundamentados. O mínimo que o juiz deve fazer é cumprir a determinação da própria Constituição. O juiz não é eleito, não tem de prestar contas, mas ele tem um dever a cumprir: tomar decisões transparentes. E a transparência está exatamente permitir o controle público e técnico dos motivos pelos quais se decidiu de determinada forma. Quando eu era advogado, uma das coisas que mais me chateava era me deparar com um despacho sem os motivos. Geralmente, vinha assim: “Ausente o fumus boni iuris e o periculum in mora. Indefiro a liminar.” Hoje, como juiz, quando aprecio uma liminar eu explico porque entendo que esses requisitos estão ausentes ou não.
ConJur — O Judiciário pode determinar que o Executivo implemente políticas públicas?
Toffoli — Essa questão foi enfrentada recentemente em um julgamento que versava sobre o direito à saúde. Decidimos que o acesso a medicamentos é um direito do cidadão e o Estado tem que fornecê-los. Mas é uma discussão delicada. O Judiciário tem de ser cuidadoso. Contudo, existem políticas públicas que a Constituição exige do Estado brasileiro e, muitas vezes, dá-se a injustificável mora estatal. O cidadão que se vê preterido pela ausência de um direito não tem outro recurso senão vir ao Judiciário. Imaginemos situações-limite. Se o Estado não construísse escolas ou implementasse políticas para a universalização do ensino básico, o Judiciário não poderia agir quando procurado pelos pais, cidadãos brasileiros, cujos filhos não têm acesso à educação? Não seria razoável. O que o Judiciário não pode é dizer de que forma a política pública deve ser efetivada na área da saúde ou na área da educação, por exemplo. Não pode influir no desenho da política pública. Mas pode decidir que o Estado é obrigado a dar ao cidadão acesso a essas garantias constitucionais. Talvez mais relevante do que essa discussão seria o debate em torno do uso que se tem feito dos termos de ajustamento de conduta, os TACs. A sociedade civil precisa colocar esse problema na ordem do dia. Esses TACs, muitas vezes, são impostos pelo Ministério Público aos quase seis mil municípios brasileiros, tendo por efeito prático a substituição dos agentes do Parquet ao mandatário eleito pelo povo. Dá-se a substituição da vontade democrática do eleitor pela visão de mundo dos membros do MP, que, por meio dos TACs, dizem como, quando e de que forma as políticas públicas devem ser executadas. Esse protagonismo que o MP, nas instâncias municipais, vem exercendo deve-se também à ausência de obrigatoriedade constitucional de uma advocacia pública de Estado nos municípios.
ConJur — A penhora de bens pelo fisco sem qualquer manifestação da autoridade judiciária é uma constrição legítima à luz da Constituição?
Toffoli — Eu penso que é possível a Administração Pública fazer, por exemplo, uma pesquisa direta em cartórios e determinar a constrição. Mas é evidente que isso não pressupõe a ausência do devido processo legal. É necessário que haja um devido processo legal administrativo, no qual o contribuinte tenha amplo direito de defesa. Se não convencer a Administração, ele sempre poderá buscar a última palavra no Poder Judiciário. Hoje, todos os casos de constrição, necessariamente, têm de ser determinados pela Justiça. Com esse quadro, muitas vezes um banco tem capacidade maior de constrição do que o Fisco. Não se pode pressupor que a Administração Pública vai abusar sempre. Nem é razoável imaginar que ela vai abusar a maioria das vezes.
ConJur — Mas pode abusar muitas vezes, não?
Toffoli — É obvio que não somos ingênuos a ponto de achar que Administração Pública não é capaz de abuso. O Estado erra. O Estado, às vezes, persegue. No caso de um gestor mal intencionado, pode haver perseguição e aí cabe ao lesado se socorrer no Judiciário. Mas é necessário dar mais força à solução dos litígios na esfera administrativa. O Supremo enfrentará em breve a questão da prévia análise administrativa dos requerimentos previdenciários. O cidadão que pleiteia algum benefício pode acionar a Justiça sem, antes, ter litigado com a Administração? Lembre-se que falamos de milhões de ações. Por que o Estado mantém uma estrutura grande como a da Previdência, os postos do INSS, se o cidadão vem imediatamente para o Judiciário discutir seu direito? Nessa discussão entra a lógica perversa do mercado de trabalho da advocacia.
ConJur — Que lógica perversa?
Toffoli — A ideia de que advogado só tem direito de receber honorários se ganhar o processo na Justiça. Quando ele ganha na esfera administrativa, a leitura que se faz é de que a parte já tinha o direito. Então, não precisa pagar honorários. É uma visão muito equivocada. Porque o advogado que ganha administrativamente também tem direito de receber por seu trabalho. Há um mercado de trabalho ainda muito pouco explorado na esfera administrativa no Brasil. E, na verdade, a solução mais rápida justifica uma melhor remuneração do que a mais demorada.
Lançamento: Anuário da Justiça Rio Grande do Sul

Segunda Seção decidirá possibilidade de união estável para casal homossexual (atualizada)

Está previsto para a próxima quarta-feira (23) o julgamento de um caso em que se discute a possibilidade de reconhecimento de união estável a um casal de homossexuais do Rio Grande do Sul. O processo é relatado pela ministra Nancy Andrighi e será julgado na Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O processo foi submetido à Seção em razão da relevância do tema, por decisão dos ministros da Terceira Turma. A Seção é composta pelos dez ministros responsáveis pelos julgamentos de casos relativos a Direito de Família e Direito Privado, reunindo a Terceira e a Quarta Turma do Tribunal. Quando se adota esse procedimento, de “afetar” o processo ao colegiado maior, a intenção dos ministros é uniformizar de forma mais rápida o entendimento das Turmas ou, até mesmo, rever uma jurisprudência consolidada.

O homem que propôs a ação afirma ter vivido em “união estável” com o parceiro entre 1993 e 2004, período em que foram adquiridos diversos bens móveis e imóveis, sempre em nome do companheiro. Com o fim do relacionamento, o autor pediu a partilha do patrimônio e a fixação de alimentos, esta última em razão da dependência econômica existente enquanto na constância da união.

O juiz inicial, da Vara de Família, entendeu procedente o pedido. O magistrado reconheceu a união estável e determinou a partilha dos bens adquiridos durante a convivência, além de fixar alimentos no valor de R$ 1 mil até a efetivação da divisão. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), porém, afastou a obrigação de pagar alimentos, mas manteve a sentença quanto ao restante.

Para o TJRS, os alimentos não seriam cabíveis, em razão da pouca idade do autor e sua aptidão para o trabalho. Mas o tribunal local não negou a competência da Vara de Família para o caso, a qual efetivamente reconheceu a existência de união estável, e não de sociedade de fato, na convivência por mais de dez anos do casal homossexual.

Família efetiva

O TJRS entendeu que “a união homoafetiva é fato social que se perpetua no tempo, não se podendo admitir a exclusão do abrigamento legal, impondo prevalecer a relação de afeto exteriorizada ao efeito de efetiva constituição de família, sob pena de afronta ao direito pessoal individual à vida, com violação dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana”.

“Diante da prova contida nos autos, mantém-se o reconhecimento proferido na sentença da união estável entre as partes, já que entre os litigantes existiu por mais de dez anos forte relação de afeto com sentimentos e envolvimentos emocionais, numa convivência more uxoria, pública e notória, com comunhão de vida e mútua assistência econômica, sendo a partilha dos bens mera consequência”, concluiu a decisão do TJRS.

O parceiro obrigado a dividir seus bens alega, no STJ, que a decisão da Justiça gaúcha viola artigos dos códigos civis de 1916 e 2002, além da Lei n. 9.278/1996. Esses artigos se referem, todos, de algum modo, à união estável como união entre um homem e uma mulher, ou às regras da sociedade de fato.

O pedido é para que seja declarada a incompetência da Vara de Família para o caso e para que apenas os bens adquiridos na constância da união sejam partilhados, conforme demonstrada a contribuição efetiva de cada parceiro.

Presunção de esforço

Na Terceira Turma, outro processo em andamento pode afirmar a presunção de esforço comum na construção do patrimônio em uniões afetivas. Para a ministra Nancy Andrighi, reconhecer proteção patrimonial similar à do Direito de Família em uniões homoafetivas atende ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e promove dois objetivos fundamentais da República: a erradicação da marginalização e a promoção do bem de todos, sem qualquer forma de preconceito.

O voto da relatora afirma que, na falta de lei específica, o Judiciário não pode ser omisso. Por isso, a analogia deve ser aplicada no caso concreto. O entendimento foi parcialmente seguido pelo ministro Massami Uyeda. Após pedido de vista, o ministro Sidnei Beneti votou contra a presunção de esforço. O julgamento está interrompido por novo pedido de vista, do ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Além de seu voto, falta o do desembargador convocado Vasco Della Giustina.

Leia mais: Julgamento dará definição mais clara a direitos de homossexuais

Sociedade de fato

Em dezembro, a mesma Terceira Turma decidiu dois casos similares, em que o Ministério Público do Rio Grande do Sul recorreu do entendimento da Justiça gaúcha. Os recursos foram providos pela Turma. Em ambos, um dos parceiros havia falecido e se discutia a sucessão dos bens.

Naquela ocasião, os ministros aplicaram a jurisprudência do STJ, estabelecida em 1998 (Resp 148.897), que exige a comprovação de que os bens adquiridos durante a convivência tiveram origem em esforço comum dos companheiros. Segundo esse entendimento, feita a prova da contribuição de cada parceiro na construção do patrimônio comum, pode ser feita a partilha, na proporção do esforço individual. Para essa linha de pensamento, aplica-se a regra da sociedade de fato às uniões homoafetivas.

Esses casos pertenceriam, portanto, ao Direito das Obrigações, e não ao Direito de Família. “A repartição dos bens, sob tal premissa, deve acontecer na proporção da contribuição pessoal, direta e efetiva de cada um dos integrantes de dita sociedade”, explicou, em seu voto, o desembargador convocado Vasco Della Giustina. As ações foram devolvidas ao TJRS para novo julgamento, com observação das regras definidas pelo STJ.

Lacuna legal

Já em 2008, no julgamento do Resp 820.475, o STJ permitiu o seguimento de uma ação de declaração de união estável entre homossexuais. Por maioria, a Quarta Turma, em voto de desempate do ministro Luis Felipe Salomão, afirmou que a lei não proíbe de forma taxativa a união homoafetiva.

Como o julgador não pode alegar a ausência de previsão legal para deixar de decidir um caso submetido ao Judiciário, a Turma entendeu válida, em tese, a adoção da técnica de integração por meio da analogia. Assim, ao aplicar a lei, o juiz poderia fazê-la abranger casos não expressamente previstos, mas que, na essência, coincidissem com os abordados pelo legislador.

Nesse processo, os parceiros buscavam o reconhecimento de união estável na convivência por mais de 20 anos. Chegaram a se casar no exterior. Mas a Justiça do Rio de Janeiro extinguiu a ação, por entender ser impossível juridicamente a união estável homossexual.

A análise naquele julgamento se fixou na questão processual da viabilidade da própria ação. Os ministros não discutiram o mérito do direito dos autores, isto é, a possibilidade efetiva de união estável entre parceiros homoafetivos, como ocorrerá agora.

O Ministério Público Federal (MPF) recorreu, alegando violação à Constituição, mas o STJ não acolheu os argumentos. Outro recurso, apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF), aguarda decisão desde maio de 2010 (AI 794.588).

No entanto, em abril de 2010, ao julgar outro recurso (Resp 889.852) a Quarta Turma pacificou o entendimento de que as uniões homoafetivas merecem tratamento idêntico ao conferido às uniões estáveis. Na hipótese, os ministros permitiram que o nome da companheira de uma homossexual que havia adotado dois irmãos constasse também dos registros das crianças, sem a especificação da condição paterna ou materna.

O relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, observou os fortes vínculos afetivos entre as adotantes e as crianças e concluiu que a situação estava consolidada. “ O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. Vale dizer, no plano da ‘realidade’, são ambas, a requerente e sua companheira, responsáveis pela criação e educação dos dois infantes, de modo que elas, solidariamente, compete a responsabilidade”, afirmou.

Na ocasião do julgamento, o ministro Aldir Passarinho Júnior destacou que a jurisprudência do STJ vem fortalecendo esta compreensão. Para ele, o Tribunal vem caminhando no sentido de que é necessária maior proteção aos menores adotandos, “que estão muito bem assistidos pelo casal em questão”.

Vanguarda

Em outros temas, o STJ já se posicionou na vanguarda jurisprudencial. No Resp 395.904, a Sexta Turma entendeu que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ) deviam pensão ao companheiro do segurado falecido. O relacionamento durou 18 anos.

O STF ainda não decidiu o recurso contra essa decisão, que já conta com parecer favorável do MPF ao pensionista (RE 495.295). Para o INSS, o beneficiário não seria dependente do segurado, o que impediria o pagamento. O processo deu entrada no Supremo em 2006.

Segundo o voto do ministro falecido Hélio Quaglia, a legislação previdenciária não pretendeu excluir o conceito de união estável da relação homoafetiva. A Constituição, no campo previdenciário, não teria feito essa exclusão (artigo 201, inciso V). Diante da lacuna legal, o próprio INSS teria editado norma regulamentando os procedimentos para concessão de benefícios a parceiros homossexuais.

Em outra decisão, o STJ permitiu a inscrição do companheiro homossexual em plano de saúde (Resp 238.715). Em seu voto, o ministro aposentado Humberto Gomes de Barros afirmou: “O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana”. Por isso, a relação homoafetiva geraria direitos analógicos aos da união estável.

Nesse caso, os parceiros viviam juntos há sete anos e eram portadores de HIV. O pedido tratava expressamente de união estável, que permitiria a inclusão no plano de assistência médica empresarial. A Justiça gaúcha recusou a declaração de união estável, mas garantiu a inscrição no plano, o que foi mantido pelo STJ. O caso também está pendente de julgamento no STF desde 2006, com parecer do MPF pela manutenção da decisão do STJ (RE 515.872).

Adoção

Em agosto de 2010, o STJ garantiu, novamente, a um casal homossexual feminino a adoção de dois irmãos biológicos. Uma das parceiras já havia adotado as crianças desde o nascimento, e a companheira pediu na Justiça seu ingresso na adoção, com inserção do sobrenome nos filhos. Essa decisão está sendo questionada pelo Ministério Público gaúcho no STF, cujo processo deu entrada em outubro (RE 631.805).

O Judiciário gaúcho atendeu o pedido inicial, determinando a inserção da companheira no registro, sem menção específica das palavras “pai” ou “mãe” ou da condição materna ou paterna dos avós. No entender do TJRS, “os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores”.

“É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes”, asseverou o tribunal local.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul recorreu da decisão, mas o STJ afirmou a prevalência da solução que melhor atendesse aos interesses das crianças. O processo listou diversos estudos científicos sobre o tema indicando a inexistência de inconvenientes na adoção das crianças por casal homossexual. Segundo os estudos, o fundamental é a qualidade do vínculo e do afeto do meio em que serão incluídas as crianças.

Para o ministro Luis Felipe Salomão, “em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da informação, sem fronteiras ou barreiras, sobretudo as culturais e as relativas aos costumes, onde a sociedade transforma-se velozmente, a interpretação da lei deve levar em conta, sempre que possível, os postulados maiores do direito universal”.

“A adoção, antes de mais nada, representa um ato de amor, de desprendimento. Quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor, é um gesto de humanidade”, completou.

Lei e jurisprudência

O ministro João Otávio de Noronha, ao votar nesse processo, respondeu à crítica recorrente de que o Judiciário nacional tem legislado sobre o Direito de Família: “Toda construção de direito familiar no Brasil foi pretoriana. A lei sempre veio a posteriori. Com o concubinato foi assim, com a união estável foi assim”, lembrou.

“No caso, é preciso chamar a atenção para o seguinte: a lei não proíbe, ela garante o direito tanto entre os homoafetivos, como entre os héteros [heterossexuais]. Apenas lhes assegura um direito, não há vedação. Não há nenhum dispositivo que proíba, até porque uma pessoa solteira pode adotar. Então, não estamos aqui violando nenhuma disposição legal, mas construindo em um espaço, em um vácuo a ser preenchido ante a ausência de norma, daí a força criadora da jurisprudência. É exatamente nesse espaço que estamos atuando”, concluiu.

Breve estudo sobre a atividade de incorporação imobiliária

http://jus.uol.com.br/revista/texto/18539
Publicado em 02/2011 Hyltom Pinto de Castro Filho
Analisa-se quem pode ser considerado incorporador e as operações que acabam sendo configuradas como incorporação, ainda que assim não sejam desejo dos empreendedores.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Breves Noções. 3. Histórico da atividade de incorporação imobiliária. 4. O conceito de incorporador previsto na Lei n. 4.591/64. 5. As falhas legislativas. 6. Os sujeitos autorizados em lei a desenvolver incorporação. 7. Análise de situações concretas – configuração ou não da atividade de incorporação. 8. Conclusões.

1. Introdução

A última década, especialmente a partir de sua segunda metade, tem apontado um crescimento vertiginoso do mercado imobiliário nacional, o que se deve a diversos fatores, dentre os quais podemos citar, não exaustivamente, (a) a maior oferta de crédito para o setor, tanto para o produtor, como para o próprio consumidor; (b) o crescente poder aquisitivo das famílias brasileiras; (c) uma exponencial redução da taxa básica de juros, adotada pelo Banco Central, sem falar (d) no desejo do governo de tentar erradicar o déficit habitacional, que apresenta patamares vergonhosos, por meio da adoção, por exemplo, do programa Minha Casa, Minha Vida.

A abundante oferta de crédito no setor se deve não somente à política monetária que exige a destinação de grande parte dos depósitos da caderneta de poupança para o mercado imobiliário, mas também pelo surgimento de mecanismos jurídicos que tornaram a concessão do crédito mais segura, como por exemplo, a instituição da alienação fiduciária de bem imóvel, introduzida no ordenamento pela Lei 9.514/1997.

Podemos destacar, ainda, a obtenção direta de crédito pelas empresas imobiliárias por meio da abertura de capital (os famosos IPO’s) e a crescente securitização de recebíveis do mercado, tudo isso criando um campo favorável para a crescente oferta de produtos no mercado. O encontro de um cenário jurídico mais seguro, empresas capitalizadas e um mercado consumidor sedento pela compra de seu primeiro imóvel, gerou um panorama nunca antes visto no mercado imobiliário nacional.

Mesmo cidades com menos de um milhão de habitantes se tornaram verdadeiros canteiros de obra de edifícios, sejam eles comerciais ou residenciais, que, quando prontos, modificam sensivelmente a caricatura dos centros urbanos brasileiros.

Figura central na cadeia produtiva do crescente mercado imobiliário é o incorporador, previsto no ordenamento jurídico a partir da década de 60 e, portanto, muito posterior à própria configuração da atividade de incorporação que, como será visto, é preexistente à edição da Lei n. 4.591/64.

Portanto, o objetivo deste artigo é discorrer com objetividade sobre o histórico da atividade de incorporação imobiliária, definindo com exatidão quem pode ser considerado incorporador à luz da legislação específica e, principalmente, analisando as operações que acabam sendo configuradas como incorporação, ainda que assim não fossem desejo dos empreendedores.

2. Breves noções

Conforme autorização da Lei 4.591/64 (Lei de Condomínios e Incorporações), o incorporador pode ser uma simples pessoa física, profissional ou não da área. Como será visto em detalhes no item seguinte, a incorporação é definida pela atividade e não pela qualificação do sujeito que a promove.

Como o mercado imobiliário está cada dia mais complexo, e as operações desta natureza demandam cada vez mais profissionalização, sendo certo que a organização em estrutura societária tem o condão de eliminar a responsabilização pessoal daquele que promove a incorporação, costumeiramente quem atua como incorporador é uma pessoa jurídica organizada sob uma das formas societárias autorizadas em lei.

Portanto, é o incorporador quem vai ao mercado buscar terrenos aptos ao desenvolvimento de empreendimentos imobiliários, usualmente, no modelo de condomínio edilício (ou horizontal), estabelecendo com o dono do terreno a forma de aquisição deste bem imóvel (observa-se ser muito comum nos dias de hoje o modelo de permuta por unidades construídas no próprio terreno). Ademais, é ele quem concebe o projeto de edificação, levando-o à aprovação pelas autoridades competentes, providencia o registro dos documentos necessários perante o Oficial de Registro de Imóveis, nos termos da Lei de Incorporação, empreende diretamente ou por meio de terceiros a venda das unidades e, por fim, constrói ou delega a construção, sob sua supervisão. Natural, ainda, que estabeleça com o agente financiador da obra uma linha de crédito a ser ofertada para futuros adquirentes, em condições preestabelecidas contratualmente.

Sendo assim, é muito fácil afirmar que o principal fomentador da área imobiliária e, por conseguinte, o principal fornecedor da cadeia produtiva imobiliária é a sociedade empresarial incorporadora, a qual se responsabiliza pessoal e diretamente com o consumidor pela entrega da unidade imobiliária, além é claro da boa qualidade do produto. Rotineiro nos dias de hoje o incorporador se confundir com a figura do construtor, do mesmo modo que não são raras as hipóteses em que as empresas incorporadoras contam com sua própria equipe de vendas, realizando diretamente a comercialização das unidades autônomas.

3. Histórico da atividade de incorporação imobiliária

Caio Mário da Silva Pereira destaca que "o incorporador existiu antes de o direito ter cogitado dele". De forma bastante clara e concisa, o autor traça, em clássica obra sobre o tema, um esboço histórico de como as incorporações, usualmente, se realizavam antes da legislação específica (in Condomínio e Incorporações. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 231-234).

Do relato contido em sua obra, percebe-se que no período anterior à edição da Lei 4.591/64, os adquirentes de unidades imobiliárias de um futuro condomínio edilício se encontravam em situação de completo desamparo jurídico, vez que os Tribunais não conseguiam sequer identificar a atividade de incorporação ou tampouco visualizavam no ordenamento jurídico a imposição de qualquer penalidade pela má condução de um negócio naquele modelo.

Naquela época os acontecimentos se davam, mais ou menos, da seguinte maneira: um determinado empreendedor procurava um dono de terreno que pudesse abrigar a construção de prédio coletivo, sugerindo o pagamento do imóvel por meio da participação deste último nas vendas das unidades imobiliárias do futuro condomínio edilício. O empreendedor, por sua vez, procurava um construtor, que lhe fornecia o projeto e o custo da obra a ser edificada, e com base em todos estes dados, colocava as unidades à venda no mercado, praticando preço que pudesse remunerar todos os envolvidos. Instrumentalizado por uma mera "proposta" de compra e venda, e antes de edificar uma parede sequer, passava o empreendedor a captar recursos de seu público-alvo (massa de consumidores). Uma vez vendidas todas as unidades, lavrava-se a competente escritura de transmissão do domínio envolvendo o dono do terreno e os adquirentes que, em muitas das vezes, sequer conheciam o tal empreendedor. Como se vê, sequer no Registro de Imóveis surgia o nome do empreendedor, que era na realidade o verdadeiro incorporador.

Ademais, o tal empreendedor apenas representava os adquirentes na relação contraída com o construtor, fornecedores e empreiteiros da obra, visto que os respectivos contratos eram firmados em nome dos próprios adquirentes. Este era, portanto, o esquema de desenvolvimento das incorporações antes da Lei de Incorporações, com algumas alterações episódicas, podendo em alguns casos o incorporador ser o próprio dono do terreno, um condômino ou, ainda, o titular do direito de uma opção.

Quando o tema começou a ser lançado ao conhecimento dos Tribunais, o que se viu, ainda segundo Caio Mário da Silva Pereira, foi a completa ausência de responsabilização dos empreendedores pela frustração dos projetos. Em certos julgados o incorporador era equiparado à figura do corretor, em outros era considerado um mero mandatário ou gestor de negócios, sem que os adquirentes obtivessem do Judiciário uma correta resposta aos prejuízos que haviam sofrido.

Posteriormente, os Tribunais passaram a melhor entender a matéria, determinando a responsabilização do incorporador pelos prejuízos causados aos consumidores, até que a matéria foi definitivamente positivada na ainda vigente Lei n. 4.591/64.

4. O conceito de incorporador previsto na Lei n. 4.591/64

Nesta esteira, considerando que o incorporador já existia antes mesmo de ser previsto juridicamente, passou a ser conceituado pela atividade que exerce, de modo que, em seu art. 29, a Lei 4.591/64 prevê ser incorporador "a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas".

Após criticar duramente o fato de a Lei de Incorporações vigente conceituar incorporador, por meio de uma redação que, segundo ele, seria "longa, imprecisa e deselegante", Caio Mário da Silva Pereira cita o conceito indireto de incorporador que inseriu no Anteprojeto de Lei apresentado na época ao Congresso e que, segundo ele, melhor definiria tal figura: "considera-se incorporador e se sujeita aos preceitos dessa lei toda pessoa física ou jurídica que promova a construção para alienação total ou parcial de edificação composta de unidades autônomas, qualquer que seja a sua natureza ou destinação".

A despeito de não ser um dispositivo elaborado com impecável primor técnico, a redação do art. 29 abarca todos os atos incutidos no complexo ato de incorporação, permitindo que qualquer operador do Direito, em especial um julgador, consiga visualizar se determinados atos empreendidos no âmbito do mercado imobiliário possam ou não ser enquadrados no conceito de incorporação e, por conseguinte, sobre eles sejam aplicadas todas as demais previsões contidas na legislação específica.

Outro ponto positivo do conceito expresso na Lei n. 4.591/64, inclusive em vantagem ao conceito concebido no Anteprojeto de Caio Mário da Silva Pereira, reside no destaque dado ao ato de alienação de unidades imobiliárias, considerando que a operação de incorporação é, na essência, uma operação de venda e não de promoção de construção de obra. É o ato de vender unidades futuras que caracteriza a incorporação e inclusive dá início à sua vigência e efeitos previstos em lei. Veja que o início da redação da Lei de Incorporação é no sentido de conceituar incorporador como "a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno (...)", ao passo que o conceito de Caio Mário percorre o caminho de considerar incorporador "toda pessoa física ou jurídica que promova a construção para alienação (...)". O destaque do conceito da lei é mais acertado, pois chama atenção para o fato de ser a incorporação, efetivamente, uma operação de venda.

O conceito que entendo melhor calhar para a figura do incorporador é o da pessoa física ou jurídica que promove a atividade de venda de frações ideais de terreno, vinculadas a unidades imobiliárias autônomas, em condomínio edilício de qualquer natureza, que seja objeto de projeto de construção, ou esteja em fase de construção, com a promessa de entrega do bem em prazo certo e ajustado.

A corroborar com nosso entendimento de que a incorporação é, na essência, uma atividade de venda, está a opinião da doutrina no sentido de que "a incorporação se configura no momento em que é vendida uma fração ideal do terreno com a finalidade precípua de ser atribuída a unidade autônoma do edifício a ser construído, ou em construção, sob regime condominial, presumindo-se a vinculação dessa venda (parágrafo único do citado artigo) ao negócio da construção, quer exista projeto aprovado, quer ainda pendente de aprovação. Efetuando a venda da fração ideal do terreno, nesse caso, o alienante já é, por lei, considerado incorporador. Portanto, nem é preciso dizer no contrato de venda da fração ideal do terreno que o alienante a destinou a determinada unidade autônoma do futuro edifício. Desde que existente um projeto, mesmo pendente de aprovação pelo Poder Público, presume-se que a alienação teve em vista uma incorporação imobiliária, respondente automaticamente o alienante como incorporador" (g.n. Apud FRANCO, J. Nascimento; GONDO, Nisske. Incorporações Imobiliárias. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 24).

5. As falhas legislativas

O desenvolvimento da atividade de incorporação não exige qualquer qualificação especial e tampouco o registro do incorporador em qualquer órgão de controle de classe, o que revela uma grande falha da Lei de Incorporações. Desse modo, qualquer um pode se aventurar em mercado de grande complexidade e que tem se tornado atrativo para empreendedores das mais diversas áreas, que, no mais das vezes, sequer conhecem conceitos básicos ligados ao tema da incorporação. Não se está aqui a defender uma censura à livre iniciativa prevista no art. 170 da Constituição Federal, mas a verdade é que a previsão legal de prévia capacitação do incorporador, bem como a existência de um órgão de controle e fiscalização específico de tal atividade, teria sido de grande valia.

Afinal, trata-se de atividade que permite a captação de poupança popular, por meio da assunção da obrigação de entrega de produto ainda inexistente que, no mais das vezes, não passa de unidade imobiliária concebida em projeto de construção aprovado perante a Prefeitura local. Embora a Lei de Incorporações preveja em seu art. 32 a necessidade de ser levada a arquivo uma gama extensa de documentos no Registro de Imóveis, que ao menos indicam a iniciativa do incorporador de levar a efeito a edificação, não há qualquer garantia de que o incorporador vá mesmo direcionar os recursos captados da massa de consumidores no desenvolvimento da obra objeto de projeto já aprovado.

Previsão interessante seria a da vinculação dos valores levantados pelo incorporador junto à massa de adquirentes, em conta corrente aberta para tal finalidade, e sua liberação de acordo com o avanço no estágio das obras. Este controle da destinação dos valores recebidos pelo incorporador diretamente na construção somente existe com a instituição do Patrimônio de Afetação, introduzido pela Lei 10.931/2004, cujo art. 31-A determina que uma vez instituído este regime, "o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes". Ocorre que o legislador determinou ser uma mera faculdade – e não obrigação - do incorporador a submissão da incorporação ao regime de afetação, perdendo-se grande oportunidade de transformar a atividade de incorporação algo muito mais seguro sob o ponto de vista do consumidor.

Do mesmo modo, em relação à capacidade financeira do incorporador, existe apenas a exigência na letra "o" do art. 32 da Lei, de ser apresentado "atestado de idoneidade financeira, fornecido por estabelecimento de crédito que opere no Pais há mais de 5 (cinco) anos". Quem milita na área há tempo, sabe que se trata de documento de fácil obtenção em qualquer instituição financeira com a qual se mantém contrato de abertura de conta corrente.

Ou seja, a verdade é que a compra de imóvel na planta por meio do regime de incorporação, não pode ser considerada uma operação 100 % (cem por cento) segura, demandando do consumidor algumas medidas de precaução, especialmente no que tange à busca de informações acerca da capacidade financeira do incorporador, se ele costuma respeitar os prazos assumidos com seus clientes e, ainda, se as suas obras são entregues com a qualidade prometida.

6. Os sujeitos autorizados em lei a desenvolver incorporação

Já foi dito que a incorporação é caracterizada por sua atividade e não pela qualificação daquele que a empreende. De toda forma, a Lei n. 4.591/64 determina em seu art. 31 que, somente podem promover a iniciativa de uma incorporação, as seguintes pessoas: (i) o proprietário do terreno; (ii) o promitente comprador; (iii) o promitente cessionário; (iv) o construtor e, por fim, (v) o corretor de imóveis.

Em que pese o art. 31 não elencar o (vi) promitente permutante do terreno como uma das pessoas autorizadas a promover incorporação, a leitura de outros dispositivos constantes da própria Lei n. 4.591/64 indicam o contrário. O caput do art. 39 determina a juntada de certos documentos "nas incorporações em que a aquisição do terreno se der com pagamento total ou parcial em unidades a serem construídas (...)". Trata o dispositivo em questão do incorporador que adquire o terreno por meio da permuta em unidades presentes no futuro condomínio edilício, operação esta que, muito provavelmente, seja a mais adotada na aquisição de terrenos nos dias atuais. A operação de permuta é de grande vantagem para o incorporador, pois dispensa o desembolso de vultosos valores, evitando-se impacto no fluxo de caixa do empreendimento e, no mais das vezes, permite até mesmo o desenvolvimento das obras sem a contração de financiamento bancário. Para o proprietário do terreno, exatamente por lançar mão da contraprestação do incorporador para o futuro, o valor da venda acaba sendo extremamente atraente.

O promitente comprador do terreno, o cessionário comprador e o permutante somente estão autorizados a incorporar se nos seus respectivos instrumentos, firmados em caráter de irrevogabilidade e irretratabilidade, contiver expressa cláusula de imissão na posse do terreno e autorização do proprietário vendedor para demolir e iniciar a construção, instrumentos estes que deverão estar devidamente registrados na matrícula do bem. Mas não é só. Necessária, ainda, que não haja vedação à alienação do bem em frações ideais (Lei n. 4.591/64; art. 32, alínea "a").

O corretor e o construtor, por sua vez, somente poderão incorporar se estiverem munidos de procuração, por instrumento público, outorgada pelo proprietário do terreno, ou promitente comprador do mesmo, ou seu cessionário.

7. Análise de situações concretas – configuração ou não da atividade de incorporação

Feitas estas explanações até então, interessante destacar algumas situações em que a incorporação se configura, mesmo que o empreendedor não tenha, inicialmente, perseguido todas as etapas que a legislação específica determina. Isso porque não podemos esquecer que, conforme bem advertido por Caio Mário da Silva Pereira, "toda pessoa física ou jurídica, independentemente da sua anterior profissão, torna-se incorporador pelo fato de exercer, em caráter permanente ou eventual, uma certa atividade que consiste em promover a construção de edificação dividida em unidades autônomas" (Condomínio e Incorporações. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 248).

Imaginemos a hipótese em que um proprietário de terreno resolva construir um edifício de apartamentos, prevendo alienar as unidades autônomas apenas ao término das obras. Ocorre que, em determinado estágio da construção, percebe que o investimento a ser aportado será muito maior do que o previsto inicialmente, decidindo, assim, comercializar as unidades anteriormente à obtenção do habite-se, com a finalidade de "fazer caixa" e poder concluir o empreendimento. Uma vez consumada a venda do primeiro imóvel colocado à venda, caracterizada está a incorporação, sendo passível a aplicação de todas as disposições da Lei 4.591/64, incluindo as sanções criminais pela ausência de registro da incorporação.

O entendimento acima encontra amparo nas lições de Caio Mário da Silva Pereira, para quem "a qualidade de incorporador estende-se ao proprietário ou adquirente do terreno, que promova a edificação destinada à utilização condominial, uma vez que exponha as unidades, total ou parcialmente à venda, antes da conclusão das obras (...) Quem constrói para si mesmo, ainda que seja edifício de apartamentos, não é incorporador. Nele se converte, porém, desde o momento em que exponha à venda as unidades vinculadas à fração ideal, antes da conclusão do edifício" (ob. cit., p. 249).

Portanto, o divisor de águas está exatamente na conclusão da edificação (obtenção do "habite-se"). A partir daí qualquer venda a ser realizada não pode ser considerada um ato atinente à atividade de incorporação. E assim o é, exatamente porque o legislador quis prevenir a captação de poupança popular sob a falsa promessa de entrega de produto ainda inexistente ou em fase de conclusão.

Outras situações, porém, não podem ser consideradas modalidades de incorporação, tais como aquelas em que um grupo de pessoas adquire determinado terreno, em condomínio, empreendendo a construção de edifício sob a gestão de um técnico. Para Melhim Namem Chalhub "a construção grupal não se converte em incorporação só pelo fato de se verificar, no curso das obras, alienação ocasional da fração ideal de terreno e da construção por um dos participantes" (Apud FRANCO, J. Nascimento; GONDO, Nisske. Incorporações Imobiliárias. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 14). Tem razão o doutrinador citado, na medida em que o que existe na espécie é co-propriedade (condomínio típico do Código Civil) e não condomínio especial da Lei n. 4.591/64, sendo certo que a alienação é de quota do terreno e, consequentemente, de parte do edifício a ser construído.

Do mesmo modo, a alienação do imóvel como um todo, ainda que pendente o processo de edificação, não é incorporação, posto não se tratar de venda de partes isoladas destinadas à constituição de futuras propriedades autônomas.

8. Conclusões

Estas são em linhas gerais, portanto, os critérios de caracterização da atividade de incorporação, sendo interessante destacar o fato de o incorporador se constituir por sua atividade e não por sua formação ou inscrição em determinado órgão de classe. Isso significa, em minha visão, que a compra de imóvel na planta não é um negócio 100% (cem por cento) seguro, exigindo do consumidor cautelas redobradas para não incorrer em prejuízos irreparáveis.

Dentre estas cautelas estão, não exaustivamente, uma forte pesquisa sobre a regularidade jurídica e capacidade financeira do incorporador, caso não se trate de uma daquelas tradicionais companhias atuantes no mercado há décadas. Interessante, ainda, uma pesquisa sobre a existência de obras anteriores do incorporador, se elas foram entregues no prazo acordado e, principalmente, se o material empregado foi de boa qualidade.

Esta insegurança é decorrente, como visto acima, das falhas apontadas na Lei de Incorporação, relativas à ausência de órgão regulador da atividade, à ausência de obrigatoriedade de inscrição e de capacitação mínima do incorporador, sem falar na inexistência de norma que obrigue a vinculação dos recursos captados dos consumidores à obra a ser empreendida.

- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FRANCO, J. Nascimento; GONDO, Nisske. Incorporações Imobiliárias. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

Sobre o autor
Informações sobre Hyltom Pinto de Castro Filho
Hyltom Pinto de Castro Filho
Advogado em São Paulo. Sócio Fundador da Castro Filho & Medeiros Advogados. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas - FGV. Especialista em Direito Processual Civil pelo Centro de Extensão Universitária - CEU. Especialista em Direito Imobiliário Empresarial pela Universidade SECOVI.
www.cfmadv.com.br
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
FILHO, Hyltom Pinto de Castro. Breve estudo sobre a atividade de incorporação imobiliária. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2790, 20 fev. 2011. Disponível em: . Acesso em: 21 fev. 2011.