quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Provimento padroniza escritura de uniões estáveis
Texto: Patrícia Papini
Publicado oficialmente na última sexta-feira (13), passou a vigorar desde então o Provimento nº 15/2011, que dispõe sobre a lavratura de escritura declaratória de união estável, estabelecendo igualdade de condições, nesse procedimento, para uniões heterossexuais e homossexuais. O provimento foi assinado pela corregedora-geral da Justiça de Goiás, desembargadora Beatriz Figueiredo Franco e acrescentou 11 artigos à Consolidação dos Atos Normativos (CAN) da Corregedoria-Geral de Justiça de Goiás (CGJGO).
As alterações foram introduzidas com vistas a colocar fim às dúvidas - sobretudo àquelas referentes às uniões homossexuais - quanto aos procedimentos para a declaração de união estável. Outro objetivo importante: garantir igualdade no tratamento e no procedimento, sem favorecimentos às uniões heterossexuais mas também sem tratamentos especiais - com sigilo, por exemplo - para as homossexuais.
De acordo com a nova redação, os interessados na lavratura de união estável para comprovação de vínculo familiar e resguardo de direitos podem escolher um serviço notarial para tanto, onde o procedimento será feito sem sigilo e sem distinção de gênero dos conviventes. A escritura será lavrada quando configurada relação de fato duradoura, pública, em comunhão afetiva, com ou sem compromisso patrimonial, estabelece a norma.
São necessários documentos como RG, CPF, certidão de nascimento ou de casamento (com averbação de separação, divórcio ou óbito do antigo companheiro), certidão de propriedades de bens imóveis e direitos a eles relativos e, ainda, documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e direitos, se houver. Além disso, os declarantes informarão, no ato, que são absolutamente capazes, seus nomes, datas de nascimento e que não são casados.
Constarão da escritura eventuais herdeiros e havendo bens, os interessados devem declarar os que constituem patrimônio individual e o comum, se for o caso, podendo os declarantes estabelecerem quais serão suscetíveis à divisão na constância da união estável.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
Um despacho pouco comum (furto de duas melancias)
A Escola Nacional de Magistratura incluiu em seu banco de sentenças, o despacho pouco comum do juiz Rafael Gonçalves de Paula, da 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas, em Tocantins. A entidade considerou de bom senso a decisão de seu associado, mandando soltar Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, detidos sob acusação de furtarem duas melancias:*
DESPACHO JUDICIAL
DECISÃO PROFERIDA PELO JUIZ RAFAEL GONÇALVES DE PAULA NOS AUTOS DO PROC Nº. 124/03 – 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas/TO:
* DECISÃO*
Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.
Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional).
Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém.
Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário.
Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia.
Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra – e aí, cadê a Justiça nesse mundo?
Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.
Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.
Simplesmente mandarei soltar os indiciados.
Quem quiser que escolha o motivo.
Expeçam-se os alvarás. Intimem-se
Palmas – TO, 05 de setembro de 2003.
Rafael Gonçalves de Paula
Juiz de Direito
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
As batalhas judiciais após a perda do familiar
Ainda sob o efeito da dor de perder um
parente, muitas famílias precisam enfrentar uma batalha judicial para
dispor dos bens deixados pela pessoa falecida. Ao longo de 2011, a
disputa por herança foi tema recorrente no Superior Tribunal de Justiça,
principalmente na Terceira e Quarta Turma, especializadas em direito
privado.
De acordo com as regras do direito das sucessões,
expressas no Livro V do Código Civil (CC) de 2002, quando uma pessoa
morre sem deixar testamento, a herança é transmitida aos herdeiros
legítimos. Os artigos 1.845 e 1.846 estabelecem que são herdeiros
necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Pertence a
essas pessoas, de forma obrigatória, metade dos bens da herança. Ou
seja, havendo herdeiros necessários, a pessoa só pode doar a outros
herdeiros metade do seu patrimônio.
Outro dispositivo que merece
destaque é o artigo 1.790, que trata da companheira ou companheiro em
união estável. Essa pessoa participa da sucessão do outro. Se houver
filhos em comum do casal, o que sobrevive terá direito a uma cota
equivalente à que for atribuída ao filho por lei. Se os filhos forem
apenas do autor da herança, o companheiro terá metade do que couber a
cada descendente. Caso a concorrência seja com outros parentes
sucessíveis, o direito será a um terço da herança; e na ausência desses
parentes, o companheiro ficará com a totalidade dos bens.
Herdeiros colaterais
Em
outubro de 2011, a Terceira Turma julgou a destinação de herança cuja
autora não tinha descendente, ascendente nem cônjuge. O artigo 1.839
determina que nessas hipóteses, os herdeiros serão os colaterais até
quarto grau. No caso, os irmãos da falecida também já estavam mortos.
A
herança ficou, então, para os sobrinhos, colaterais de terceiro grau,
que apresentaram um plano de partilha amigável e incluíram uma
sobrinha-neta, filha de um sobrinho já falecido. Com base no artigo
1.613 do CC de 1916, segundo o qual os colaterais mais próximos excluem
os mais remotos, o juiz de primeiro grau excluiu a sobrinha-neta da
partilha. No CC de 2002, a regra foi reproduzida no artigo 1.840.
A
decisão foi mantida em segundo grau, o que motivou recurso da excluída
ao STJ. Alegou que era herdeira por representação de seu pai, que, se
fosse vivo, participaria da herança. Ela invocou a ressalva do artigo
1.613, que concede direito de representação aos filhos de irmão do autor
da herança.
O recurso foi negado. A relatora, ministra Nancy
Andrighi, destacou que, por expressa disposição legal, o direito de
representação na sucessão colateral está limitado aos filhos dos irmãos,
não se estendendo aos sobrinhos-netos (REsp 1.064.363).
De
acordo com o artigo 1.844, na falta de parente sucessível ou renúncia à
herança, ela ficará nos cofres do município onde estiver. Caso esteja em
território federal, ficará com a União.
União estável
A
Quarta Turma deu provimento a recurso especial para excluir irmão de
mulher falecida do inventário como herdeiro. O autor do recurso é o
companheiro da autora da herança, que alegou ter convivido em união
estável com a falecida por mais de 20 anos, tendo construído com ela
patrimônio comum.
A justiça do Rio de Janeiro considerou que não
existia documento capaz de comprovar a relação familiar entre o
recorrente e a falecida. Por isso, deferiu a habilitação do irmão,
parente colateral, como herdeiro. A mulher não deixou descendente ou
ascendente. Importante ressaltar que a sucessão foi aberta ainda na
vigência do CC de 1916.
O relator, ministro Luis Felipe Salomão,
observou que a união estável foi reconhecida judicialmente, ainda que
após a interposição do recurso especial. Segundo ele, em sucessão aberta
antes do CC de 2002, aplica-se o disposto no art. 2º, inciso III, da
Lei 8.971/94, o que garantiu ao companheiro a totalidade da herança
(REsp 704.637).
Única moradia
Quando o
casal adota regime de separação total de bens e o proprietário do imóvel
em que residem morre, como fica a pessoa que sobrevive? O STJ entende
que ela deve continuar residindo no local, mesmo que não tenha direito à
herança.
O entendimento foi adotado no julgamento de um recurso
especial em que as filhas do dono do imóvel tentavam retirar a segunda
esposa do pai do apartamento que tinham herdado. O bem também é parte da
herança da mãe delas. No recurso ao STJ, elas alegaram que a segunda
esposa do pai não teria direito real de habitação sobre o imóvel, porque
era casada sob o regime de separação total de bens.
O ministro
Sidnei Beneti, relator, explicou que o CC de 2002, no artigo 1.831,
garante ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens e
sem prejuízo do que lhe caiba por herança, o direito real de habitação
sobre o imóvel destinado à residência da família, desde que ele seja o
único a ser inventariado. Mesmo antes do novo código, a Lei 9.278/96 já
havia conferido direito equivalente às pessoas ligadas pela união
estável (REsp 821.660).
Antes da partilha
Ao
falecer, a pessoa deixa um conjunto de bens, rendimentos, direitos e
obrigações, o chamado espólio. Antes da partilha dos bens, é preciso
fazer um inventário, que é descrição detalhada do patrimônio deixado. De
acordo com o artigo 1.997, a herança responde pelo pagamento das
dívidas do falecido. Feita a partilha, os herdeiros respondem, cada um,
na proporção da parte que lhe coube na herança.
Enquanto não há
individualização da cota pertencente a cada herdeiro, ou seja, a
partilha, o espólio assume a legitimidade para demandar e ser demandado
nas ações judiciais em que o falecido, se fosse vivo, integraria o polo
ativo ou passivo. Quando a pessoa falecida deixa dívidas, é comum o
ajuizamento de ação de cobrança contra o espólio.
Também em
outubro passado, a Terceira Turma julgou recurso do Banco do Estado do
Rio Grande do Sul S/A (Branrisul), que ajuizou ação de cobrança contra
um espólio, citado na pessoa da viúva. O banco pretendia receber R$ 5
mil decorrentes de dois empréstimos contratados pelo autor da herança.
O
processo foi extinto sem julgamento de mérito por decisões de primeira e
segunda instância. Os magistrados da Justiça gaúcha consideraram que a
falta de abertura do inventário do falecido, sem a definição do
inventariante (responsável pela administração dos bens), todos os
herdeiros devem ser citados, e não apenas a viúva.
Mas não é
esse o entendimento do STJ. Relator do recurso do banco, o ministro
Massami Uyeda apontou que a inexistência de inventariante não faz dos
herdeiros, individualmente considerados, parte legítima para responder a
ação de cobrança. Isso porque, enquanto não há partilha, é a herança
que responde por eventual obrigação deixada pelo falecido e é do espólio
a legitimidade passiva para integrar o processo.
Uyeda afirmou
também que o espólio e o inventariante não se confundem, sendo o
primeiro parte na ação e o segundo, o representante processual. O
relator aplicou a regra do artigo 1.797, segundo o qual, até o
compromisso do inventariante, a administração da herança caberá,
sucessivamente, ao cônjuge ou companheiro, ao herdeiro mais velho que
estiver na posse e administração dos bens, ao testamenteiro ou a pessoa
de confiança do juiz. Por isso, a Turma deu provimento ao recurso para
dar seguimento à ação contra o espólio, na qual a viúva foi citada (REsp
1.125.510).
Universalidade da herança
O
artigo 1.784 do CC estabelece que o patrimônio deixado pelo falecido
transmite-se, desde a morte, aos herdeiros legais ou apontados em
testamento. É a adoção pelo direito brasileiro do princípio da saisine. Desta forma, o patrimônio deixado não fica sem titular em momento algum.
Já
o artigo 1.791 define que a herança é um todo unitário, ainda que
existam vários herdeiros. Até a partilha, o direito dos herdeiros é
indivisível e obedece às normas relativas ao condomínio, que é formado
com a abertura da sucessão.
Com base nesses dois dispositivos, a
Terceira Turma entendeu que um único herdeiro tem legitimidade para
reivindicar individualmente, mesmo sem a participação dos demais
herdeiros na ação, bem comum que esteja indevidamente em poder de
terceiros.
O relator, ministro Massami Uyeda, afirmou que “o
espólio é representado em juízo pelo inventariante. Todavia, tal
legitimação não exclui, nas hipóteses em que ainda não se verificou a
partilha, a legitimidade de cada herdeiro vindicar em juízo os bens
recebidos a título de herança. Trata-se, pois, de legitimação
concorrente”. O julgamento reformou decisão da justiça de Minas Gerais,
que entendeu pela ilegitimidade da herdeira para propor a ação (REsp
1.192.027).
Deserdação
Os herdeiros
necessários podem ser excluídos da sucessão ou deserdados, mas não é tão
simples. Os casos em que isso pode ocorrer estão expressamente
previstos no Código Civil. O artigo 1.814 estabelece que serão excluídos
da sucessão os herdeiros que tiverem sido autores, co-autores ou
participantes de homicídio contra o autor da herança, seu cônjuge,
companheiro, ascendente ou descendente.
Também será excluído
quem tiver acusado caluniosamente, em juízo, o autor da herança ou
praticar crime contra sua honra, do seu cônjuge ou companheiro. O mesmo
vale para quem usar de violência ou fraude para impedir a livre
disposição dos bens por ato de última vontade do dono do patrimônio.
Já
a deserdação pode ocorrer quando o descendente praticar contra o
ascendente ofensa física, injúria grave, relações íntimas com a madrasta
ou padrasto ou desamparo perante alienação mental ou doença grave.
Com
base nessas regras, um homem ajuizou ação de deserdação contra o irmão,
alegando que o pai deles teria manifestado em testamento o desejo de
excluir aquele filho da sucessão de seus bens. Isso porque ele o teria
caluniado e injuriado nos autos do inventário da esposa. O pedido foi
negado em primeiro e segundo grau.
No recurso ao STJ, o autor da
ação alegou que, para configurar a denunciação caluniosa, não é
necessária a existência de ação penal. Argumentou que a propositura de
ação de interdição infundada seria injúria grave.
Seguindo o
voto do relator, ministro Massami Uyeda, a Terceira Turma também negou o
pedido. Para os ministros, o ajuizamento de ação de interdição e o
pedido de remoção do pai como inventariante da mãe são, na verdade, o
exercício de regular direito garantido pela legislação. Por isso, esses
atos não podem justificar a deserdação (REsp 1.185.122).
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