segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
As batalhas judiciais após a perda do familiar
Ainda sob o efeito da dor de perder um
parente, muitas famílias precisam enfrentar uma batalha judicial para
dispor dos bens deixados pela pessoa falecida. Ao longo de 2011, a
disputa por herança foi tema recorrente no Superior Tribunal de Justiça,
principalmente na Terceira e Quarta Turma, especializadas em direito
privado.
De acordo com as regras do direito das sucessões,
expressas no Livro V do Código Civil (CC) de 2002, quando uma pessoa
morre sem deixar testamento, a herança é transmitida aos herdeiros
legítimos. Os artigos 1.845 e 1.846 estabelecem que são herdeiros
necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Pertence a
essas pessoas, de forma obrigatória, metade dos bens da herança. Ou
seja, havendo herdeiros necessários, a pessoa só pode doar a outros
herdeiros metade do seu patrimônio.
Outro dispositivo que merece
destaque é o artigo 1.790, que trata da companheira ou companheiro em
união estável. Essa pessoa participa da sucessão do outro. Se houver
filhos em comum do casal, o que sobrevive terá direito a uma cota
equivalente à que for atribuída ao filho por lei. Se os filhos forem
apenas do autor da herança, o companheiro terá metade do que couber a
cada descendente. Caso a concorrência seja com outros parentes
sucessíveis, o direito será a um terço da herança; e na ausência desses
parentes, o companheiro ficará com a totalidade dos bens.
Herdeiros colaterais
Em
outubro de 2011, a Terceira Turma julgou a destinação de herança cuja
autora não tinha descendente, ascendente nem cônjuge. O artigo 1.839
determina que nessas hipóteses, os herdeiros serão os colaterais até
quarto grau. No caso, os irmãos da falecida também já estavam mortos.
A
herança ficou, então, para os sobrinhos, colaterais de terceiro grau,
que apresentaram um plano de partilha amigável e incluíram uma
sobrinha-neta, filha de um sobrinho já falecido. Com base no artigo
1.613 do CC de 1916, segundo o qual os colaterais mais próximos excluem
os mais remotos, o juiz de primeiro grau excluiu a sobrinha-neta da
partilha. No CC de 2002, a regra foi reproduzida no artigo 1.840.
A
decisão foi mantida em segundo grau, o que motivou recurso da excluída
ao STJ. Alegou que era herdeira por representação de seu pai, que, se
fosse vivo, participaria da herança. Ela invocou a ressalva do artigo
1.613, que concede direito de representação aos filhos de irmão do autor
da herança.
O recurso foi negado. A relatora, ministra Nancy
Andrighi, destacou que, por expressa disposição legal, o direito de
representação na sucessão colateral está limitado aos filhos dos irmãos,
não se estendendo aos sobrinhos-netos (REsp 1.064.363).
De
acordo com o artigo 1.844, na falta de parente sucessível ou renúncia à
herança, ela ficará nos cofres do município onde estiver. Caso esteja em
território federal, ficará com a União.
União estável
A
Quarta Turma deu provimento a recurso especial para excluir irmão de
mulher falecida do inventário como herdeiro. O autor do recurso é o
companheiro da autora da herança, que alegou ter convivido em união
estável com a falecida por mais de 20 anos, tendo construído com ela
patrimônio comum.
A justiça do Rio de Janeiro considerou que não
existia documento capaz de comprovar a relação familiar entre o
recorrente e a falecida. Por isso, deferiu a habilitação do irmão,
parente colateral, como herdeiro. A mulher não deixou descendente ou
ascendente. Importante ressaltar que a sucessão foi aberta ainda na
vigência do CC de 1916.
O relator, ministro Luis Felipe Salomão,
observou que a união estável foi reconhecida judicialmente, ainda que
após a interposição do recurso especial. Segundo ele, em sucessão aberta
antes do CC de 2002, aplica-se o disposto no art. 2º, inciso III, da
Lei 8.971/94, o que garantiu ao companheiro a totalidade da herança
(REsp 704.637).
Única moradia
Quando o
casal adota regime de separação total de bens e o proprietário do imóvel
em que residem morre, como fica a pessoa que sobrevive? O STJ entende
que ela deve continuar residindo no local, mesmo que não tenha direito à
herança.
O entendimento foi adotado no julgamento de um recurso
especial em que as filhas do dono do imóvel tentavam retirar a segunda
esposa do pai do apartamento que tinham herdado. O bem também é parte da
herança da mãe delas. No recurso ao STJ, elas alegaram que a segunda
esposa do pai não teria direito real de habitação sobre o imóvel, porque
era casada sob o regime de separação total de bens.
O ministro
Sidnei Beneti, relator, explicou que o CC de 2002, no artigo 1.831,
garante ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens e
sem prejuízo do que lhe caiba por herança, o direito real de habitação
sobre o imóvel destinado à residência da família, desde que ele seja o
único a ser inventariado. Mesmo antes do novo código, a Lei 9.278/96 já
havia conferido direito equivalente às pessoas ligadas pela união
estável (REsp 821.660).
Antes da partilha
Ao
falecer, a pessoa deixa um conjunto de bens, rendimentos, direitos e
obrigações, o chamado espólio. Antes da partilha dos bens, é preciso
fazer um inventário, que é descrição detalhada do patrimônio deixado. De
acordo com o artigo 1.997, a herança responde pelo pagamento das
dívidas do falecido. Feita a partilha, os herdeiros respondem, cada um,
na proporção da parte que lhe coube na herança.
Enquanto não há
individualização da cota pertencente a cada herdeiro, ou seja, a
partilha, o espólio assume a legitimidade para demandar e ser demandado
nas ações judiciais em que o falecido, se fosse vivo, integraria o polo
ativo ou passivo. Quando a pessoa falecida deixa dívidas, é comum o
ajuizamento de ação de cobrança contra o espólio.
Também em
outubro passado, a Terceira Turma julgou recurso do Banco do Estado do
Rio Grande do Sul S/A (Branrisul), que ajuizou ação de cobrança contra
um espólio, citado na pessoa da viúva. O banco pretendia receber R$ 5
mil decorrentes de dois empréstimos contratados pelo autor da herança.
O
processo foi extinto sem julgamento de mérito por decisões de primeira e
segunda instância. Os magistrados da Justiça gaúcha consideraram que a
falta de abertura do inventário do falecido, sem a definição do
inventariante (responsável pela administração dos bens), todos os
herdeiros devem ser citados, e não apenas a viúva.
Mas não é
esse o entendimento do STJ. Relator do recurso do banco, o ministro
Massami Uyeda apontou que a inexistência de inventariante não faz dos
herdeiros, individualmente considerados, parte legítima para responder a
ação de cobrança. Isso porque, enquanto não há partilha, é a herança
que responde por eventual obrigação deixada pelo falecido e é do espólio
a legitimidade passiva para integrar o processo.
Uyeda afirmou
também que o espólio e o inventariante não se confundem, sendo o
primeiro parte na ação e o segundo, o representante processual. O
relator aplicou a regra do artigo 1.797, segundo o qual, até o
compromisso do inventariante, a administração da herança caberá,
sucessivamente, ao cônjuge ou companheiro, ao herdeiro mais velho que
estiver na posse e administração dos bens, ao testamenteiro ou a pessoa
de confiança do juiz. Por isso, a Turma deu provimento ao recurso para
dar seguimento à ação contra o espólio, na qual a viúva foi citada (REsp
1.125.510).
Universalidade da herança
O
artigo 1.784 do CC estabelece que o patrimônio deixado pelo falecido
transmite-se, desde a morte, aos herdeiros legais ou apontados em
testamento. É a adoção pelo direito brasileiro do princípio da saisine. Desta forma, o patrimônio deixado não fica sem titular em momento algum.
Já
o artigo 1.791 define que a herança é um todo unitário, ainda que
existam vários herdeiros. Até a partilha, o direito dos herdeiros é
indivisível e obedece às normas relativas ao condomínio, que é formado
com a abertura da sucessão.
Com base nesses dois dispositivos, a
Terceira Turma entendeu que um único herdeiro tem legitimidade para
reivindicar individualmente, mesmo sem a participação dos demais
herdeiros na ação, bem comum que esteja indevidamente em poder de
terceiros.
O relator, ministro Massami Uyeda, afirmou que “o
espólio é representado em juízo pelo inventariante. Todavia, tal
legitimação não exclui, nas hipóteses em que ainda não se verificou a
partilha, a legitimidade de cada herdeiro vindicar em juízo os bens
recebidos a título de herança. Trata-se, pois, de legitimação
concorrente”. O julgamento reformou decisão da justiça de Minas Gerais,
que entendeu pela ilegitimidade da herdeira para propor a ação (REsp
1.192.027).
Deserdação
Os herdeiros
necessários podem ser excluídos da sucessão ou deserdados, mas não é tão
simples. Os casos em que isso pode ocorrer estão expressamente
previstos no Código Civil. O artigo 1.814 estabelece que serão excluídos
da sucessão os herdeiros que tiverem sido autores, co-autores ou
participantes de homicídio contra o autor da herança, seu cônjuge,
companheiro, ascendente ou descendente.
Também será excluído
quem tiver acusado caluniosamente, em juízo, o autor da herança ou
praticar crime contra sua honra, do seu cônjuge ou companheiro. O mesmo
vale para quem usar de violência ou fraude para impedir a livre
disposição dos bens por ato de última vontade do dono do patrimônio.
Já
a deserdação pode ocorrer quando o descendente praticar contra o
ascendente ofensa física, injúria grave, relações íntimas com a madrasta
ou padrasto ou desamparo perante alienação mental ou doença grave.
Com
base nessas regras, um homem ajuizou ação de deserdação contra o irmão,
alegando que o pai deles teria manifestado em testamento o desejo de
excluir aquele filho da sucessão de seus bens. Isso porque ele o teria
caluniado e injuriado nos autos do inventário da esposa. O pedido foi
negado em primeiro e segundo grau.
No recurso ao STJ, o autor da
ação alegou que, para configurar a denunciação caluniosa, não é
necessária a existência de ação penal. Argumentou que a propositura de
ação de interdição infundada seria injúria grave.
Seguindo o
voto do relator, ministro Massami Uyeda, a Terceira Turma também negou o
pedido. Para os ministros, o ajuizamento de ação de interdição e o
pedido de remoção do pai como inventariante da mãe são, na verdade, o
exercício de regular direito garantido pela legislação. Por isso, esses
atos não podem justificar a deserdação (REsp 1.185.122).
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